O título não se refere à colecção de crónicas de Miguel Esteves Cardoso coleccionadas dos artigos publicados no Expresso que apesar de não ser da nossa cor (nem o homem nem o jornal) merece a minha homenagem pelo excelente live blogging aqui há uns largos meses por ocasião de um qualquer cincazero no FC Porto vs Benfica, com frases como: “O Benfica é como eu: vai ao Porto para não fazer nada e comer bem.“. Lindo. Mas divago.
Estas duas últimas vitórias (Shakhtar e Braga) serviram para levantar um pouco a moral da equipa, começando pelos adeptos. Falta ainda o jogo da próxima terça-feira para que possamos de facto sentir que a mudança de mentalidade foi evidente e que tenha marcado uma má fase do FC Porto, num momento em que cada minuto de cada jogo é avaliado com a intensidade de um tanque a atravessar as florestas das Ardenas. Mas o que de facto pode servir como razão credível para um abaixamento tão grande da dinâmica de uma equipa que já tinha mostrado qualidade a nível europeu? Não há só um, mas vários e o risco era alto em qualquer um deles.
Comecemos pela SAD. Todos sabemos e é apregoado até às estrelas, que o princípio básico de gestão do FC Porto tem servido como case-study em tantos artigos e colunas de opinião por esse mundo fora e é exactamente o mesmo que se aplica a um investidor na Bolsa: “Buy low, sell high”. E a aposta tem funcionado na perfeição, desde Pepe a Falcao, passando por Lucho, Anderson, Ricardo Carvalho e tantos outros, continuamos a pensar em valorizar rapidamente um jogador para que possa ser vendido por lucro óbvio e alto. Essa estratégia exige que o plantel seja composto por forma a conseguir maximizar as potencialidades dos jogadores-alvo e continuar a mostrá-los em jogo e a contribuir para a construção de uma imagem de um activo que pode ser uma mais-valia para qualquer grande europeu que os queira vir cá buscar e deixe uns contentores de dinheiro. Isto leva a que o nível exibicional da equipa seja obrigatoriamente alto para que os rapazes sejam reconhecidos pelas valências e não pelas fragilidades e coloca pressão em cima deles próprios e das equipas técnicas que sem dúvida dependem deles para levarem o barco a porto seguro. A questão coloca-se: e quando rendem menos, como em 2009/2010, fruto de algum cansaço, ocorrências extra-futebol e pela incapacidade de motivação das tropas pelo treinador? Perdem-se campeonatos, a equipa tem de atravessar uma renovação forçada e o valor de todos baixa em consonância. A pressão começa.
Passando aos próprios jogadores. Quando um deles chega ao ponto de querer sair (por enfado, vontade de novas experiências, insatisfação salarial ou qualquer outro motivo legítimo) e a valorização da SAD é alta ao ponto de impedir que seja vendido, o que acontece? Encosta-se um activo que foi alvo da aposta para futura venda? Pune-se o jogador e o próprio clube? Tenta-se vender por valores abaixo do mínimo aceitável para manter o bom ambiente e agradar a ambas as partes ainda que não na totalidade? É fácil falar quando se está de fora, porque os boatos são simples de criar e facílimos de espalhar, mas é possível que tal tenha acontecido com alguns jogadores do actual plantel, e depois? O que fazer? Cabe a quem a responsabilidade de transformar um jogador desmotivado e contestado pelos adeptos numa máquina de futebol geradora de palmas e dinheiro? Ao empresário? À família? À SAD? Ao treinador? Talvez um pouco aos três últimos, porque lamento imenso não ter fé nos seres chupistas mas não confio em vampiros, nem que se vistam de fato e gravata. A pressão aumenta.
Chego ao treinador, o cerne da questão. Vitor Pereira, apanhado no ciclone que foi a transferência de Villas-Boas para o Chelsea, aceitou a oferta de Pinto da Costa para pegar na equipa a que estava habituado, com os jogadores que conhecia e levá-los aos triunfos. Motivado, trabalhador, competente, esforçado. Chegará? Começou razoável contra o Barcelona, suficiente para o campeonato mas o nível de futebol era baixo, fraco, insipiente, lento, morto. As declarações à imprensa eram frouxas, sem alma, sem vida, os jogadores exibiam-se sem garra, sem força, sem inspiração nem transpiração. Notava-se que Vitor estava nervoso, triste, cabisbaixo, sem soluções. E começa o povo a contestar como só o povo consegue, desde o cabelo do Hulk à gravata do mister, dos salários àos motins no balneário, das saídas às não-entradas, das substituições às escolhas para a titularidade. Tudo é alvo de crítica para quem não está lá dentro, para quem gosta de falar ao nível da irmã do Solnado, só para dizer coisas. A pressão, neste momento, é altíssima.
E somando os três pontos de cima, é fácil perceber que despedir o treinador nunca iria resolver grande coisa a curto prazo. E também por isso talvez seja altura de começarmos a rever a política económica fundamental do nosso clube, porque a pressão transformou-se numa bigorna (não, Walter, deixa-te estar) pendurada por cima da cabeça de treinador e jogadores. Qualquer falha é catastrofizada, qualquer fraqueza exacerbada. E o futebol não é uma ciência exacta, as equipas têm baixas de forma, o jogador às vezes falha o remate e o treinador há dias em que não acerta uma substituição. Acontece. Mas no FC Porto, em 2011, cada vez é mais difícil falhar e a pressão que essa exigência acarreta transforma as pessoas, fá-las escravas da sua própria actividade.
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