Para memória futura e como forma de tentar perceber o actual estado de desorganização e desagregação do clube com os seus adeptos que vai um bom bocado para lá da forma da sua equipa principal de futebol, fica o relato do que se passou ontem comigo na chegada ao Dragão, uma hora antes do início da partida contra o Eintracht. Narrado na primeira pessoa porque nada disto foi ouvido, contado no café ou exposto noutros blogs/sites/whatever. Aconteceu comigo.
Estacionei o carro relativamente cedo e fui tomar o café da praxe. Passavam poucos minutos das 18h30 e o estômago começava a agitar-se com a excitação do jogo (sim, eu ainda fico com nervoso miudinho antes dos jogos, seja o Eintracht Frankfurt ou o Pinheirense) e decidi parar para comer qualquer coisa a caminho. Nada de especial, rapidinho, só para enganar o bucho e tentar fugir da acumulação de um distinto escurecimento nos céus da Invicta. Espera, não são nuvens…são alemães. Vejo um casal na minha frente no McDonald’s em Fernão de Magalhães e deixo-os passar. Tinham uma altura combinada, sem exageros que eu não sou dessas coisas, aí de uns 8, 9 metros. Simpáticos, os dois, agradeceram-me em alemão enquanto entravam, vestidos da nuca aos pés em vermelho e negro e tentavam, creio, perceber quanto custava comprar dois de cada item do menu e se havia desconto para ogres bem lavadinhos. Com o papo cheio (dentro das possibilidades fastfoodianas), segui alameda abaixo em direcção à minha Porta, não percebendo o motivo dos carros parados rua abaixo, talvez para esperar o autocarro dos jogadores que se teria atrasado. Fui escutando polícias a conversar e percebi que eram os adeptos do Eintracht que pelo número fizeram com que a VCI tivesse sido fechada e o tráfego bloqueado. Estranhei mas continuei no meu caminho. Passando o “cogumelo”, prossegui pela zona norte do estádio de mãos nos bolsos e cachecol bem apertado à volta do pescoço para minimizar essas correntes de ar ali naquela zona aberta por detrás da bancada…e aparecem quatro ou cinco agentes da PSP que começam a formar um cordão e a impedir a passagem. Pergunto: “Oh chefe, é ali para a 19, já tenho de ir à volta?” e recebo a resposta: “Tem de ser, por aqui já não passa ninguém.”. OK, o que não tem remédio remediado está, como diz o pobo. Meia-volta e siga pelas portas como o sol enquanto anoitece, passando por baixo da poente (e alemães a chegar aos pares, aos grupos, às dezenas, bem dispostos, sorridentes) e seguindo pelo caminho fora enquanto ia absorvendo o ambiente de jogo europeu que me é tão querido e infelizmente tão raro.
À medida que me ia rodeando o estádio e olhava para dentro, via que a maioria das cadeiras estava vazia. Eram então 19h10 e pensei que o trânsito estaria um caos e que a malta ia demorar tempo até chegar ao seu lugar. Chegado à entrada da porta 12, sou parado mais uma vez pela polícia. Não passava ninguém. É normal, afinal há uma escadaria mesmo entre as portas 13 e 14 e como já sou veterano destas andanças, parei e esperei, pensando que a organização devia rever este processo para evitar que o pessoal ficasse impedido de circular livremente quando o número (e teor) de adeptos contrários fosse mais elevado que o normal. Passavam alemães por mim, sem saber muito bem o que se passava, parando perto de mim. Informei ainda dois ou três que podiam passar graças ao misto de nacionalidade e afeição clubística, que lhes deve ter soado como algo que seria natural para quem vai passear até um estádio diferente num país estrangeiro. Ou não, nunca saberei. A verdade é que os portistas esperavam e os frankfurtianos passavam. Tudo bem, continuei à espera que o grosso dos adeptos fossem dirigidos às centenas de cada vez para a(s) sua(s) entrada(s) enquanto consultava calmamente os resultados dos jogos que ainda decorriam, ia lendo uma ou outra notícia no telemóvel e ouvindo o helicóptero que zumbia bem alto por cima de mim. Entretanto passa o primeiro grupo de alemães a subir a escadaria…passa o segundo grupo…ainda um terceiro grupo, e não havia maneira da polícia abrir o cordão. O povo, que em cada vez maior número se ia acumulando ao meu redor, começava a ficar exaltado. Entre inúmeras piadas à troika, insultos à Ângela, críticas directas à polícia e ao clube e à cidade e à forte gente que é feita fraca pelos fracos reis, o tempo ia passando. 19h50, sensivelmente, e centenas esperavam como eu, uns mais nervosos, outros mais calmos, mal aguentando para romper o cordão formado por sete ou oito polícias. Manda quem pode, obedece quem deve, dizia o agente com a autoridade que lhe deram mas que raramente conseguirá usar sem ter de recorrer a este tipo de discurso ou pior, à força. As palavras foram ficando mais ásperas, os insultos mais intensos e os ânimos bem mais exaltados e eu, no meu recanto, ia pensando que o nosso provincianismo tinha chegado ao ponto mais fundo, em que a simpatia e a arte de bem receber o clã de forasteiros que nestes dias por cá passeava tinha chegado a um ponto tal que me começava a identificar com a indignação do povo, mais no conteúdo que na forma, é certo, mas não conseguia compreender como é que se podia prejudicar tanto os adeptos do clube da casa em virtude da presença pontualíssima de um grupo (grande) de não-portistas.
Eis senão quando o cordão abre. Montanhas de pessoas desatam em correria a meu lado, empurrando e comprimindo-se para chegar mais perto da frente e da sua entrada. Trinta metros à frente, a polícia fecha outra vez a passagem. Inclemência! Que raio de ideia era esta, a de dar a provar um gosto de liberdade para a retirar novamente tão pouco tempo depois? Sádicos, comecei a pensar. E, escutando as conversas ao lado, começo a perceber que há portas fechadas. Uma delas, claro, a 19. Não querendo acreditar no rumor, furei pela multidão enquanto reparava que um grande número começava a andar no sentido inverso, e chegando perto do primeiro polícia que encontrei, perguntei-lhe se era verdade. Sim, amigo, a 19 está fechada e não entra ninguém por lá. Mas…então vou entrar por onde?! Olhe, tente ali na 11, vai dar tudo ao mesmo sítio. Obrigado, meu caro. Mais meia-volta e toco a furar como nos bons tempos da Queima no Palácio, chego perto da porta 11 já com largas dezenas de portistas a fazer o mesmo que eu, tento mostrar o cartão mas o torniquete não roda. Questiono o segurança que me diz que posso entrar mas tem de me reter o bilhete. Quero lá saber do papelote, amigo, fique lá com isso e deixe-me ir ver a bola! E lá fui, escadas acima, ainda a vários sectores de distância do meu, para me deparar com a imagem dantesca de ver diversas grades de ferro (suportadas em blocos de cimento, o que me leva a concluir que não foi uma decisão de última hora) a bloquear a passagem da “minha” porta, para me conseguir finalmente sentar no meu lugar no momento em que as equipas já estavam alinhadas em frente à bancada poente.
Tudo isto se passou e não precisava de se ter passado. É um sinal, mais um sinal que o FC Porto se está a desligar dos seus adeptos e que a forma como nós, os tolinhos que lá vão ver os jogos regularmente, estamos a ser desprezados pela malta que gere o clube a nível intermédio. Os operacionais, os que tomam as decisões do momento, longe das salas de conferências e gabinetes da presidência ou direcção. E os adeptos ocasionais, os que de vez em quando tomam a decisão de ir à bola porque até gostam de futebol e do FC Porto, quando encontram um panorama destes não duvido que da próxima vez vão pensar duas vezes antes de comprar bilhete.
Tudo isto se passou e tudo podia ter sido facilmente evitado. Uma nota no site oficial, uma notícia no Porto Canal, raios, uma merda de um cartaz em cada entrada do estádio a dizer: “Meus caros, as Portas ABC estão fechadas e não vão poder ser usadas por motivos de BLÁBLÁ. Os detentores de bilhete para essas entradas deverão usar em alternativa as Portas XYZ. Agradecemos a vossa compreensão. Força Porto!”. Mas não houve nada.
Não houve, numa palavra, respeito.
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