A tarde estava fria na Invicta. Nos arredores do Dragão sentiam-se já os aromas das castanhas a crepitar nos fogareiros de alguns balcões ambulantes que trabalhavam para manter o carvão em brasa e aquele maravilhoso fruto a tostar, torrar, arder. E o povo perto do estádio passeava bem-disposto na praça mesmo perto das entradas, famílias com crianças a correr, com cachecóis ao pescoço e camisolas no corpo, visitavam a Loja Azul, sorriam, conversavam, confraternizavam. Um ar natalício pairava pelo ar e o jogo não fugiu muito dessa onda. Foi conseguido, não tenhamos dúvidas, mas a custo. Com dificuldades na ruptura e na criação de espaços, a equipa nunca desistiu de procurar o golo apesar da inacreditável quantidade de passes falhados que resultaram em jogadas inconsequentes. Uma vitória perante uma boa Académica que defendeu rija e atacou pouco, com um golo a cair do céu como uma prenda…lá está, natalícia. Vamos a notas:
(+) A calma perante a adversidade O estilo não agrada a toda a gente, como sabemos. A capacidade de controlar um jogo e manter um ritmo estável, com os compassos certos para as alturas adequadas, com acelerações pontuais que não levem a que a equipa se desfaça e se note uma desagregação táctica a níveis de um qualquer Couceiro. E admiro a forma como a equipa se tem conseguido controlar e unir como um grupo que sente que estão presos uns aos outros e ficam felizes por isso mesmo, como durante o jogo de hoje quando nada parecia correr bem na construção de lances ofensivos. Vi Moutinho a coordenar as peças no meio-campo e a falhar recepções e passes laterais; Mangala a insistir na ajuda ao ataque e a não conseguir passar da mediocridade; Danilo a tentar fintar quatro jogadores da Académica de cada vez e a forçar tabelinhas com Lucho que nunca funcionariam; Jackson a controlar a bola e a ter de recuar vinte metros com a bola para descobrir uma linha de passe no meio do centro do terreno controlado pela Académica. E não vi a equipa a partir-se ao meio pela parte fraca porque nenhum dos jogadores, os titulares e os três (muito jovens) suplentes, nenhum deles cedeu ao facilitismo do jogo ofensivo rápido e directo. Manteve-se a trocar a bola e a aplicar os princípios de jogo que o treinador lhes transmite. Gostei, para lá de ter funcionado melhor ou pior.
(+) O centro da defesa Estou a ficar impressionado com a calma de Abdoulaye perante situações de pressão. Parece que o rapaz é feito de algum tipo de aço que não verga, não enferruja, não parte. Ainda tem muito a aprender e só daqui a um bom número de jogos é que vamos poder perceber se ali está um líder a sério que possa ser um futuro patrão da nossa defesa, ou se estamos a criar ondas a mais depois de duas centenas de minutos de jogo. Já o moço argentino ao lado dele está em excelente plano, com discernimento na posse de bola e boa noção de quando deve ou não subir no terreno. E acima de tudo, temos dois centrais que não têm medo de nada nem ninguém. Ainda hoje Otamendi, quando colocado perante a oportunidade de uma bola dividida com um qualquer adversário, não hesitou em raspar as coxas na relva (como o homem gosta de entradas de carrinho, e ainda bem!) e meter os pés ao barulho. Só me dá vontade de gritar para alguns rapazes que tiram o pé com medo das lesões: “Estão a ver? Estão a ver aquele tolo?! É assim que todos deviam jogar, carago!”. Precisamos de jogadores assim, desde que joguem ao nível que têm vindo a fazer nos últimos tempos.
(+) O golo de Moutinho Palavra que pensei que a bola fosse para fora, tal foi a direcção que o remate me parecia que levava quando saiu do pé direito do João. Ele, que até então estava a fazer um jogo fraco, com muitos passes falhados, indecisão na posse e uma terrível dose de azar nas decisões binárias do passa/corre. Mas o remate foi um brilhante pedaço de futebol, um naco de inspiração pessoal que me catapultou da cadeira com os braços no ar a gritar “golo!” e a cantar a cover do La Bamba que Moutinho já sabe que toda a gente vai cantar, quer marque, quer não. Hoje mereceu-a, mas só pelo golo.
(-) As consistentes falhas nos passes Até compreendo que falhem alguns passes longos; que o Abdoulaye aponte para o Varela e a bola vá ter ao James ou ao Jackson; que o Moutinho tente furar pelo meio de quatro pares de pernas só para ver a última gâmbea a interceptar a pelota; ou que Danilo arranque uma tabelinha com Lucho que acabe por não funcionar porque o passe sai curto ou longo demais. Compreendo perfeitamente, desde que aconteça de uma forma pontual e não como neste jogo contra a Académica, principalmente na primeira parte. Fraquíssimo índice técnico nos passes, tremenda displicência de alguns rapazes na forma como recebiam a bola (Mangala e Danilo fartaram-se de fazer más recepções e deixaram a bola passar por eles vezes demais) e muitos “picos” na forma como arrastavam a bola para a frente. Treinos específicos, técnicos ou mentais. Ou ambos.
(-) Não matar o jogo às vezes dá cagada O golo da Académica (piu, Helton, porra, grande piu) enervou os adeptos, que temem sempre que atrás do primeiro golo vem sempre um segundo…mas a equipa não pareceu abanar. Gostei de os ver sem tremer, a jogar com calma e tranquilidade na posse de bola, mas tudo era evitável na cabeça e no coração da malta que está sentado a ver o jogo no estádio ou em casa ou no café ou seja lá onde estiver a ver o jogo. E aposto que poucos dos que estavam nas frias bancadas, quando viram o golo da Académica (piu, Helton, raios, porra, gaita, gremlins, piu, PIU!), ficaram descansados e a pensar que não haveria qualquer problema até ao final do jogo e nada mais poderia acontecer de mal à nossa equipa. Mas o principal problema é que antes, durante dez ou quinze minutos, houve várias oportunidades de matar o jogo que foram desaproveitadas uma atrás da outra e que podiam ter transformado o final do jogo num autêntico passatempo para os adeptos a tentar adivinhar quem ia entrar e para o lugar de quem. O normal, em jogos deste nível. Azar? Talvez. Mas depois do que vi este ano em Vila do Conde já não tenho certezas de nada…
Há jogos mais complicados que outros, mas os adversários também ajudam a que os jogos tenham esses factores de dificuldade. E a Académica hoje fez um jogo bem fechado mas não defenderam apenas em número. Fizeram-no em estrutura, com bom planeamento no posicionamento dos jogadores no meio-campo e apesar de pouco fortes no ataque, foram o adversário mais complicado que apanhámos no Dragão neste Liga. E o próximo jogo do campeonato é em Braga…