É impossível não pegar no leitmotif dado por Jesus, que na sua forma boçal e sempre genuína de dizer as coisas, em parte mal-intencionado e em parte muito mal-intencionado, acaba quase sempre por agitar as águas de uma maneira que não deixa ninguém indiferente. E arrancando para a primeira de três partes com títulos pedantes adaptados de outros tantos “reductios” que por esse mundo pulam e nos fazem avançar, proponho-me lidar com a sorte.
O jogo de Braga, como tantos outros que nos são favoráveis, foi sorte. É uma sorte do caraças conseguir o golo da vitória a um minuto do fim, como Coentrão na Luz frente ao Marítimo ou Miguel Garcia em Alkmaar. É aquele chouriço, o paio, qualquer outro enchido que vos apeteça usar como metáfora.
Mas a vontade, o querer, a determinação de continuar a chegar à frente para buscar algo mais que um empate, nada disso é sorte. A sorte é apenas um corolário do resto do tempo em que uma equipa procura fazer o que a outra não quer deixar, favorecendo a audácia que todos gostamos de dizer que temos mas que poucos de nós a conseguem alcançar porque a grande maioria desiste e senta-se, amuado, queixando-se do azar. E anos após anos após infrutíferos anos temos vindo a ouvir as piadas do “estes gajos é que têm sorte, calham-lhes sempre os piores no sorteio“, quando os factos tantas vezes contradizem a corrente. Anos após anos após inevitáveis anos em que o resto do mundo, civilizado ou talvez não, nos aponta a dedo pelas contratações falhadas, pelos Leos e Leandros Limas, pelos Zwanes e Mogrovejos, pelos Maciéis e Baronis (já deviam estar à espera deste…), mas quando se fala dos Cissokhos, Luchos, Andersons ou Lisandros, “aqueles cabrões têm mesmo sorte por conseguirem vender esses mancos por tanto guito“. E anos, anos e mais anos se passam para que continuemos consistente e pevidosamente a ouvir a ladaínha do “é sempre sorte, caralho, é sempre sorte que a bola parece que vai ter com eles!” quando falam de jogadores como Jardel, Lisandro, Pepe, Deco ou Falcao, que cá eram ostracizados para a glória de uma só cor, quando no instante que saem da alfândega se transformam em monumentos ao futebol, predestinados com a mão de Apolo em cima das cabeças que nasceram para trazerem novo brilho à bola que tanta fome tem destes talentos.
Foi sorte termos vencido em Braga. Foi sorte, claro, porque no Verão de 2010 decidimos arrematar James das garras da águia. Sorte também por Jackson ter assinado por nós em vez de tentar a sorte em Anfield. Sorte por Moutinho se chatear com o Sporting, sorte por Helton substituir Baía, sorte por Mangala não estar emprestado, Fernando lesionado e Otamendi lesionado. É por sorte que Vitor Pereira lá está, é por sorte que Varela cá fica e por sorte que Lucho voltou.
É tudo sorte. Nem sei porque não apostam em nós. Já tinham feito uma fortuna.