Ouve lá ó Mister – Benfica


Amigo Vítor,

Vais estar dentro do balneário com dezoito rapazes com o equipamento vestido. Sentados nos bancos de correr, esperam que fales, esperam que lhes dês as últimas palavras antes de um jogo que pode marcar mais uma etapa em grande na carreira de todos. As faces, já suadas do treino, viram-se para ti com a ansiedade de quem sabe não poder falhar, de quem atravessou vinte e oito jornadas de euforias, dores, alegrias, gritos, súplicas, ilusões e desilusões. E tu, que te manténs estóico à frente desse galeão com velas esburacadas mas vontade férrea de insistir a caminho de terra firme, voltas-te para eles nos cinco, talvez seis minutos que te restam até se encaminharem todos para o corredor.

Fala-lhes de Belluschi e da forma como levantou a bola para torpedear Quim. De Quaresma, que na Luz e no Dragão lhes marcou vários e de diferentes estilos, com o nível que sempre teve cá e nunca mais recuperou depois de sair. De Lisandro, com a força e a determinação de um gigante que não era em estatura mas em alma. De Hulk, esse louco que rebentou as redes de Roberto e Artur, esse mesmo que está do outro lado. Fala-lhes de Wetl, o austríaco dos cinco na Luz. De Jardel que deixou Preud’homme a olhar para a bola que entrou a rasgar a baliza. Fala-lhes do Capucho, que enfiou ao pobre do Enke um balão tão lindo. Do Deco, com aquele livre directo por cima do Moreira. Do Timofte e o penalty no nevoeiro. Do Falcao e o calcanhar no ar no meio da pequena-área. Fala da força do Emerson, da vida do André, dos sprints do João Pinto e da garra do Jorge Costa. Fala de todos estes nossos grandes jogadores dos últimos anos e explica-lhes que daqui a mais alguns, outros virão a falar deles pelos mesmos motivos.

O campeonato começa hoje, Vitor.

Sou quem sabes,
Jorge

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Baías e Baronis – FC Porto 1 vs 0 Málaga

foto retirada de MaisFutebol

É uma vitória. É uma boa vitória. É uma magra vitória. É uma vitória. Foi um jogo tenso, como tantos outros que já vi em confrontos europeus, com o FC Porto sempre a controlar o jogo, ofensiva e defensivamente, frente a um Málaga que optou por um jogo mais recuado para que pudesse aguentar um resultado positivo e na segunda mão mudar um pouco a atitude. E quase que o conseguia, não fosse Moutinho, mais uma vez o melhor em campo, a matar (mais) um trabalho estupendo de Alex Sandro, com raça, querer, luta, empenho. Foi a imagem mais digna de uma equipa que lutou por um resultado melhor mas que se pode queixar de um Málaga muito seguro na defesa e de muita ineficácia na frente da baliza. Jogos de Champions são outra coisa, não haja dúvida. Vamos a notas:

(+) Moutinho. Já começa a ser complicado falar de ti sem que me comece a babar e a agradecer a Deus e ao Sporting por te ter “despachado” para o nosso seio. É um prazer ver-te a jogar, João, palavra que é, porque és tudo que eu sempre gostei de ver num jogador moderno de futebol. Porque sabes exactamente quando rodar e quando prender a bola. Porque esperas mesmo até ao segundo certo para veres o colega a passar por ti e sabes que é a ele que vais entregar o jogo. Porque comandas, de trás para a frente, sem arrogâncias nem tiques de vedeta. Porque tentas sempre jogar pelo melhor caminho, pelas estradas mais limpas e mais seguras. Porque dás estrutura ao meio-campo e organizas o jogo como poucos vi a fazer. Por isso tudo, obrigado, rapaz. Quando via o Jardel, pensei que nunca mais ia aparecer outro no meu clube até que chegou o Radamel. E o mesmo acontece contigo, depois do Deco.

(+) Alex Sandro. A meio da segunda parte dizia-me o Rui, um dos meus colegas de bancada desde 2004: “Este moço custou metade do Danilo e é o dobro do jogador!”. Não vai receber qualquer contestação da minha parte. É um rapaz curioso, este Alex. Parece magrinho mas usa muito bem o corpo e aguenta o choque como um Jorge Costa. Tem excelente noção de arranque, bom salto, brilhante técnica individual e não cruza mal. Mas é quando sobe pelo flanco em apoio, recebendo a bola no espaço vinda de Moutinho ou de Marat, quando aparece nas costas dos defesas, dos médios, dos alas adversários, é aí que Alex brilha ainda mais. Já conquistou os adeptos e cada vez estou mais certo que será o futuro titular do Brasil. E a continuar assim, vamos precisar de outro defesa-esquerdo para o ano que vem…

(+) Fernando e o resto dos pressionadores. A pressão que temos de exercer é alta e só pode ser alta, para roubar espaço ao adversário e impedir que saiam com a bola controlada. Mas a equipa do FC Porto hoje foi excelente na recuperação da bola no meio-campo contrário, com Moutinho, Fernando, Lucho, até Jackson e Marat, todos eles a esticarem a perna, a forçarem o erro adversário, a sacar um turnover quando o oponente menos esperava. Fomos rápidos, felinos, inteligentes, lutadores, como devíamos sempre ser mas nem sempre precisamos de fazer. Fernando destacou-se acima dos outros pela forma como conseguiu livrar-se muitas vezes de uma pressão alta forte do adversário, rompendo pelo centro quando era preciso e enviando a bola para o colega mais bem colocado. Muito bem, atrás e à frente.

(+) O público. Quarenta e tal mil vozes no Dragão, incluindo aí umas três mil andaluzas. E quão diferente é um espectáculo quando o adversário provoca, puxa, incita à rivalidade saudável como os Malaguenhos (com M grande) fizeram hoje no Dragão, e levaram resposta à altura (com alguma estupidez brejeira e ridiculamente nacionalista que perdoo porque, francamente, a maioria não sabe outra conversa que não aquela) do resto da malta, que sentiu sempre que a equipa tinha a ganhar com a nossa voz, com o nosso cantar, com a goela a guinchar como loucos (ou turcos, ou gregos se quiserem) no apoio das nossas cores. O futebol devia ser sempre assim.

(-) Ineficácia perto e dentro da área Mas nem tudo são rosas sem espinhos. Continuamos a falhar em demasia à entrada da área, porque os passes saem curtos quando devem ser longos e versa-vice. Há muito nervosismo naquela zona, demasiada ansiedade pelo remate que raramente sai direito, poucas opções de velocidade em espaços curtos e ainda menos capacidade de colocar a bola na perfeição para Jackson ou qualquer outro ponta-de-lança poder empurrar para a baliza. E estes problemas agravam-se quando se encontra uma defesa como a do Málaga, com um Demichelis quase perfeito, um Antunes certinho e prático e um Sergio Sanchez que é melhor do que parece (não é rápido mas tem um timing de corte impecável). Creio que é o principal ponto a melhorar na nossa equipa, e nota-se imenso a diferença para outros grandes clubes em jogos deste nível. Não se pode criar tanto jogo para depois falhar tantos passes sem sequer conseguir tentar produzir um remate ou um lance claro de golo. Em Málaga, se continuarmos assim, vamos sofrer e bem.


Há uma diferença muito grande entre jogar contra uma equipa defensiva portuguesa e outra “europeia”. As nossas, as dezenas de -enses que por cá gravitam e sobrevivem época após época na Liga, jogam em casulo, uma espécie de igloo recuado e emparedado em trinta metros de espaço. Lá fora, como vimos hoje, há equipas que também são defensivas, que usam o ataque de forma esporádica, rápida, sem gosto pela bola mas com objectividade maior que um arqueiro com a seta apontada ao alvo. Só que o fazem de uma maneira ampla, dinâmica, ao campo todo, rijos mas bem posicionados, técnicamente hábeis mas com sentido prático elevado. E defendem até onde podem, mas bem, esperando que o adversário não consiga furar a barreira. E hoje, quase o conseguiram. Venha a segunda mão. Estou ansioso.

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Reductio Ad Iacobus


Para terminar a saga de reduções nada absurdas (see what I did there? Gold, Jerry! Ahhh…), consideremos o caso final de malícia e cinismo ao extremo, que se prende com a concentração de tudo que nos acontece de bom ser feita na figura de um único homem. Este Deus olímpico, como Thor com o martelo ou Shiva com os braços e as chamuças ou os amendoíns ou lá que raio é que a divindade usava como munições letais, é o singular responsável pelos resultados positivos do FC Porto, quer pratique a sua arte em zonas mais avançadas ou até na rectaguarda do campo, agindo como a única força-motriz das vitórias sem que o resto da equipa tenha uma mínima intevenção no normal desenrolar do processo.

Há anos que ouço estas patranhas a serem avançadas como verdades por uma enorme maioria de fervorosos adeptos de outros clubes, normalmente os que se reunem em cafés manhosos com relógios do glorioso deles na parede, fotografias de Pinto da Costa vestido de recluso ou calendários Pirelli já desfeitos pela idade, o sol, algum suor e um inenarrável manto de lágrimas. A teoria é lançada com uma espécie de louvor às qualidades do jogador quando os laços ainda não o amarraram ao nosso clube. Futre, Drulovic, Jardel, Costinha, Deco, McCarthy, Anderson, Lisandro, Álvaro Pereira, Hulk ou James, o mais recente enaltecido pré-Dragão. São jogadores, passo a citar, “do caralho“, que brilham com uma luz interior pura e intensa, espalhando classe por tudo que é relvado, grandes perspectivas para um futuro genial, rodeado de modelos suecas e douradas coroas de louro a graçar as suas magníficas testas. Até que, por obra e graça dos olheiros do nosso clube e/ou capacidade negocial com maior acuidade, acabam a assinar pelo FC Porto. O futuro venturoso ainda não desapareceu, atente-se, porque ainda são grandes jogadores nesta altura, mas já estão tingidos pelo mal, pela penumbra, pelo azul-e-branco. E à medida que vão começando a mostrar o que sabem, cedo se transformam no “gajo que só joga com o pé esquerdo“, “o outro que só passa com a parte de fora do pé, parece parvo“, “aquele gajo que só empurra lá para dentro e nem sabe como é que a bola lá chega“, “caceteiro que só dá lenha“, “parece que nem sabe correr“, “é só noitadas, o boi, nem sei como é que chega sóbrio aos jogos“, “o puto que teve de trazer a mãe porque nem sabia andar de autocarro“, “o simulador de penalties“, “o tipo que nem centrar sabe e tem uma boca que parece um peixe“, “o gajo com nome de super-herói que devia andar mas era no jujitsu” ou, como já tenho ouvido, “o menino que nem humilde é e andou aí um ano sem tocar na bola e agora acha que é o maior mas é só prás gajas“. Todos são uma merda depois de mostrarem que não o são.

E o resto das descrições é o do costume, porque só eles é que jogam e só jogam porque os deixam jogar, como se uma equipa fosse composta por um gajo e os outros lá andarem como bullies num recreio em que só permitem que um rapaz (E SÓ ELE!) possa tocar na bola e fazer o que sabe melhor fazer. E esquecem-se que para cada Futre havia um Magalhães e um André, um Paulinho Santos e um Rui Filipe para cada Drulovic, um Capucho e um Zahovic para cada Jardel, um Maniche e um Pedro Mendes para cada Costinha, um Paulo Ferreira e um Nuno Valente para cada Deco, um Jorge Costa e um Derlei para cada McCarthy, um Raul Meireles e um Pedro Emanuel para cada Anderson, um Lucho e um Paulo Assunção para cada Lisandro, um Sapunaru e um Fernando para cada Álvaro Pereira, um Otamendi e um Belluschi para cada Hulk e um Moutinho e um Varela para cada James. Deixem-me respirar um bocadinho…já está. E que cada um destes nomes teve um papel a representar, mexendo com a equipa, abanando as fundações do adversário, trocando a bola, criando espaços, fazendo o trabalho táctico para que o génio se possa perder menos na transpiração e aplique as forças na inspiração. Todos eles são importantes mas a poucos lhes é dada o mérito que a valia os devia fazer receber. É o tradicional “todo pela parte” que já me habituei, em que os (poucos) cabeçalhos de jornais só enfatizam quando algo se passa de errado com o jogador ou com a equipa, em que se agride moralmente porque são os elos mais fracos, os nomes menos falados e alvos menos apetecíveis.

É assim e sempre será neste mundo de falsidade vendida a peso: os James deste mundo terão sempre o destaque e os Ruis Filipes só têm honras de capa quando dela menos precisavam.

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Nove

Jackson Martinez é o novo nove do FC Porto. A camisola é pesada pela história que carrega mas todos temos a esperança que Jackson ajude a libertar esse peso e a brilhar intensamente com esse mítico número nas costas. Aqui estão os detentores dessa camisola desde que a numeração foi tornada fixa em 1995/1996:

 

1995/1996 Domingos
1996/1997 Domingos
1997/1998 Grzegorz Mielcarski
1998/1999 Grzegorz Mielcarski
1999/2000 Domingos
2000/2001 Domingos
2001/2002 Juan Esnáider
2002/2003 Edgaras Jankauskas
2003/2004 Edgaras Jankauskas
2004/2005 Luis Fabiano
2005/2006 Benni McCarthy
2006/2007 Lisandro López
2007/2008 Lisandro López
2008/2009 Lisandro López
2009/2010 Radamel Falcao
2010/2011 Radamel Falcao
2011/2012
2012/2013 Jackson Martinez
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O Álvaro-gate que não é gate nenhum

Acho sempre curiosas as reacções dos jogadores quando se apercebem que vão ser substituídos. Há atitudes para todos os gostos que merecem toda a escalpelização possível pela parte de treinadores, adeptos e jornalistas, cada qual com a sua agenda particular no que toca à forma como vêem a saída de campo do jogador. Álvaro protagonizou em Braga mais um destes episódios que levam ao epílogo de análises, insinuações, críticas ou louvores. O costume.

Álvaro saiu chateado. Insultou anjos e mafarricos, agrediu a cobertura do banco como um Mozer uruguaio e deixou-se na conversa com Rolando até ao fim do jogo. Estava lançada a insurreição na equipa, o armagedão interno que todos apregoam e rumores de um boicote uruguaio ecoaram nas mentes de tantos adeptos, nossos e deles, sequiosos por qualquer sabugo que se possa puxar para ensanguentar o Dragão. O costume.

E admito que estas cenas não são tão costumeiras quanto isso no quotidiano portista. Aquele hábito da tradicional frieza competitiva, da emoção só lá dentro e nunca cá para fora, a fleuma que todos esperam que transfigure as almas de qualquer jogador quando vê o seu nome naquela placa que o árbitro levanta e que acalme a mentalidade lutadora durante os breves segundos que se prolongam enquanto o rapaz se encaminha para fora do terreno de jogo, normalmente não se vê. Mas há algumas situações em que não é possível aguentar e esta foi uma delas. Como tantas no passado, como Jardel ou Jorge Costa, Rolando ou Sérgio Conceição, Belluschi ou Deco, já houve tantas vezes que jogadores contestaram a sua saída com as armas que tinham na altura e que habitualmente se traduzem no arremesso de diatribes ou garrafas de Powerade (PUB).

Para vos dizer a verdade: não me incomoda.

Incomoda-me muito mais ver um jogador a sair com a lentidão que vi Varela a fazer aqui há uns meses. Ou quando as substituições recebem assobios como a de Defour por Souza no Dragão há mais alguns meses. Isso é que me incomoda nalgumas substituições. Ou quando são feitas tarde demais como no jogo em casa contra o Manchester City. Isso sim, incomoda-me. E percebi que um jogador que estava a fazer uma partida horrível e já amarelado falhava posicionamentos defensivos consecutivos (e arriscando-se a ser expulso naquele que era talvez o jogo mais importante da época) não podia continuar em campo muito mais tempo. Eu percebi isso e adivinhei a substituição. Vitor Pereira percebeu mais cedo que eu, obviamente, teve a coragem de o tirar de campo e colocar alguém fresco que pudesse fechar o flanco. Álvaro não gostou. Nem eu gostaria. Porque se fosse eu, se estivesse há mais de uma hora a fazer um dos piores jogos da minha vida, a mostrar a qualidade técnica de um alce bêbado depois de três épocas a grande nível…e não tivesse oportunidade para me redimir em campo e dar o máximo que podia à equipa…também ficava lixado. E tenho a certeza que o assunto é facilmente sanado com uma conversa a frio, depois do jogo, quando todos estiverem calmos. Se eu fosse treinador do FC Porto esperava que o autocarro chegasse ao Porto e nem aí falava com o moço. Cumprimentava-o à saída e deixava-o ir para casa pensar na atitude que teve. E no dia seguinte, frescos e prontos para mais uma semana de trabalho, chamava-o ao gabinete e falava com o moço. Não tenho dúvida que o rapaz compreendia e provavelmente seria ele a tomar a iniciativa de se retractar.

Ponham-se no lugar dele. É simples.

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