Baías e Baronis – Feirense 0 vs 0 FC Porto

Quando me sento para ver um jogo do FC Porto, raramente estou à espera de uma vitória folgada. É o pequeno pessimista cá dentro que nunca me dá um momento de descanso, que mesmo quando estamos a ganhar por três me força a pensar num canto perigoso ou num contra-ataque rápido que pode dar um golo…e depois outro e outro. E assim vou vivendo. Num jogo como este, aqui o rezingão residente começou cedo a chatear. “Mas porque é que eles não correm?”, dizia-me. “Porra, não passes a bola agora! Pronto!”, exclamava. “Espera, pára o jogo, não chutes que ele nunca mais a apanh…ora f***-se.”, cuspia. Foi um jogo inteiro de parvoíces. Desde bolas perdidas no meio-campo, bolas perdidas na defesa, passes a trinta metros com a força de remates e acima de tudo um ritmo lento demais para ser aceitável e uma falta de agressividade como há muito não via. Foi uma regressão intensa a alguns jogos de 2009/2010, em que nada saía direito e onde os jogadores baixavam os braços à primeira adversidade. E não, não chega dizer que faltava Hulk e Álvaro, porque hoje em Aveiro faltou muito mais que isso. Faltou empenho para ganhar o jogo, porque se tivéssemos jogado com um terço da vontade que os rapazes do Feirense jogaram, tínhamos saído de lá com três pontos. Vamos a notas:

 

(+) Mangala Num jogo em que é complicado arranjar gente que tenha feito uma exibição positiva, destaco o francês. Bom pelo ar, a jogar simples para os colegas e rápido com a bola controlada. Gostei que tivesse conseguido um jogo em que quando colocado frente a avançados trapalhões mas rápidos, nunca se deixou desanimar e conseguiu sempre manter um nível acima da média da equipa. Basta dizer que não senti a mesma intranquilidade que costumo sentir em Maicon. Pode ser um bom jogador para o futuro.

(+) Sapunaru Foi dos poucos que lutou com velocidade e conseguiu subir pelo flanco e até chegou a aparecer na área em algumas oportunidades. Como a maioria dos ataques do Feirense aconteceram pelo centro ou pela direita, esteve mais à vontade para apoiar o ataque e infelizmente como não é um portento de técnica acaba por não conseguir fazer o suficiente para ser decisivo. Mas hoje pelo menos vi-o a tentar com alguma inteligência, o que com alguns colegas quase não aconteceu.

 

(-) Inversão de ritmo e estilo Ora vamos lá. O que me custa mais a entender neste jogo é a falta de empenho dos jogadores, ponto final. Chamem-me velho resmungão mas não entendo como é que se encara um jogo do campeonato em que estão sempre pontos em disputa com a falta de nobreza competitiva que o FC Porto hoje mostrou em Aveiro, em que parecia estarem a passear sem objectivo e a facilitar em quase todos os lances como fizeram na primeira parte. Depois do intervalo a equipa melhorou mas não muito e era penoso ver o ritmo a que os nossos jogadores levavam a bola para a frente, sem estrutura de jogo nem mentalidade ganhadora. Não entendo, juro. A somar a este desterro de vontade temos outro vector de falhanço que foi a diferença no estilo de jogo quando comparado com os jogos que o precederam. Ao passo que contra Leiria, Setúbal ou Shakhtar (para dizer a verdade, desde Novembro de 2010 que tentamos jogar da mesma forma com sucesso evidente) o jogo era pausado, calmo, de pé para pé, de ritmo controlado com homens suficientes para trocar o esférico entre eles sem a perder, hoje vimos um FC Porto a jogar com os elementos do meio-campo para a frente sempre muito longe uns dos outros o que impossibilitava a rotação da bola de uma forma tranquila. Os passes saíam sempre longos, mal orientados e nunca com a força certa para chegar ao destino, Guarín nunca conseguiu fazer a rotação de bola no centro, Belluschi apareceu meio perdido e Moutinho muito distante dos colegas. Some-se James que perdia as bolas todas, Cebola sem as conseguir controlar dentro do terreno e Kleber perdido atrás de espaços na área sem que a bola lá chegasse. Foi pouco FC Porto, muito pouco FC Porto e se foi esse o jogo que Vitor Pereira quis colocar em campo, falhou rotundamente. Se os jogadores não quiseram saber e decidiram que assim é que ia correr bem, ainda pior.

(-) James A expulsão é inadmissível. Noventa minutos de jogo e por causa de uma falta a meio-campo (que o árbitro até marcou) mostrou a todo o mundo que o talento que pôs em campo nos últimos jogos está presente juntamente com uma boa dose de imaturidade. Para além dessa ridícula reacção fez um jogo horrível, cheio de quedas sem necessidade e uma enorme falta de clarividência ofensiva para conseguir colocar a bola jogável para os colegas. Comparado com os três jogos anteriores o James que esteve em Aveiro foi o anti-James e a equipa, sem ver Hulk em campo, continuava a mandar-lhe bolas para que tentasse fazer alguma coisa de jeito, o que nunca aconteceu. James tem de perceber que nem sempre a vida pode correr bem. Mas tem de continuar sempre a tentar.

(-) As displicências de Fucile, Guarín e Cª Foi enervante ver os jogadores do FC Porto a perderem bolas para os do Feirense, especialmente pela forma como aconteciam. Durante noventa minutos vi Fucile a tentar passes que nunca poderiam resultar, tabelas com jogadores que não estavam lá e desmarcações directamente para fora. Guarín perdeu várias bolas enquanto preparava remates durante segundos intermináveis em que proteger a bola era tarefa para um qualquer duende que por lá andasse, ao passo que Fucile ou Rodriguez se deixavam antecipar no acto e no pensamento pela velocidade dos adversários, ou Belluschi que ao tentar cortar uma bola pela relva se lembra de atrasar fraco para Helton em vez de atirar para fora. Mente fraca em corpos mais ou menos sãos, dá nisto.

 

Não é uma catástrofe mas custa perder pontos num jogo que estava ao nosso alcance. Ainda chateia mais perceber que este tipo de resultados, que acontecem casualmente quando as equipas têm azar nos remates ou apanham um guarda-redes que faz o jogo da vida dele, ocorreu por culpa exclusiva dos nossos jogadores pelo pior dos motivos: preguiça. Preguiça de jogar com inteligência e tranquilidade, preguiça de correr tanto como o adversário. E se voltarmos à época passada e virmos os empates com Guimarães, Sporting ou Paços, percebemos que nenhum deles teve esta configuração. Contra o Vitória porque descansámos com o resultado feito; frente ao Sporting porque fomos surpreendidos pela agressividade de uma equipa que até aí nada tinha feito nesse sentido; em casa com o Paços porque já éramos campeões, tínhamos acabado de passar à final da Liga Europa e estávamos e poupar até lá chegar…e porque Pizzi fez três golões. Empatar com o Feirense não é, mais uma vez, uma catástrofe. Mas sempre que fizermos jogos deste nível não podemos esperar mais senão perder pontos.

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Ouve lá ó Mister – Feirense

Amigo Vítor,

Toda a gente pensa que este é um jogo fácil, mesmo que não o admita. Afinal de contas a diferença de orçamentos é só de umas dezenas de milhões de euros e vão estar em campo duas equipas que estavam em divisões diferentes no ano passado e que esta época têm duas perspectivas diametralmente opostas do que podem fazer. A teoria está toda exposta, mas o que é certo é que lá dentro do campo temos de mostrar que a diferença é mesmo do tamanho do Grand Canyon alargado por fórceps.

Ainda assim compreendo que não uses nem o Hulk nem o Palito, mas tem cuidado com as poupanças. Mais uma vez, o Feirense pode ser uma equipa que dá luta mas que está ao nosso alcance, mas acautela-te com os inesperados. Sim, homem, já percebi, vem aí o Benfica e o Zenit e os dois jogos são mais importantes aos olhos dos adeptos e não só, porque se contra o Benfica os pontos valem o mesmo mas o orgulho não, contra os russos o galo já canta como um tenor bem afinado, porque contam os pontos, o guito e o prestígio. Exactamente por isso é que disse que entendo deixares de fora esses dois fulanos, pronto, não te chateies. Mas depois não te chateies também se eu vir o Fucile a inventar ou o Varela a passear como ambos têm vindo a fazer. Espeta-lhes os alfinetes que quiseres, mas tens de saber que eles sabem que só jogam porque puseste os outros a descansar e por isso tens de lhes provar o contrário e convencê-los que é em jogos destes que os bons jogadores são sempre bons. Diz-lhes assim: “Ouçam lá, mas acham que o Ronaldo só joga bem contra o Barcelona? E o Osasuna? E o Unión Deportiva de la Pentellada? Os bons são sempre bons, carago!”. E aproveita o James, que o rapaz está a jogar que parece que está possuído pelo espírito do Timofte mas em rápido. E moreno. E a falar espanhol. E sem ter um primeiro nome que parece um motor de um filme de ficção científica. Mas tirando isso, é igualzinho!

Só para acabar, volto a virar as agulhas para o nosso adversário. Não te admito que percas contra uma equipa que tem jogadores chamados Stopira, Siaka Bamba, Uanderson e Ludovic. Temos de manter a integridade, carago!!!

Sou quem sabes,
Jorge

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Leitura para uma sexta-feira tranquila

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Moutinho, ou a razão porque gosto tanto de futebol

Sou um adepto confesso da simetria. Incomodam-me tácticas em que vejo um ponta-de-lança a descair para que um segundo avançado ocupe o seu lugar saído de uma qualquer lateral, onde vai sem dúvida aparecer um lateral mais ofensivo do que devia a cruzar para que o médio volante surja ao primeiro poste e o avançado, o poacher, apareça ao segundo poste sem marcação e desfira o golpe letal que faz com o que o guarda-redes reclame com a defesa pela má marcação. Gosto de futebol bem estruturado e não tenho dúvida que caso me aparecesse a hipótese de ser treinador de futebol, iria rapidamente colocar a minha equipa a jogar num esquema que desse o privilégio quase completo a uma colocação no terreno de rapazes em posições que quando olhadas do ponto de vista do guarda-redes parecessem mantas feitas em tear, nunca retalhadas pelas inteligentes mãos de um artesão manual.

É nestes esquemas que jogadores como João Moutinho surgem como reis. Nestas simetrias trabalhadas, em que há jogadores para cada posição e em que raramente surge um génio para desfazer as estruturas que o adversário montou como artimanha pseudo-infalível para quebrar o raciocínio frio da minha formação. Moutinho, um homem que tento mimicar sempre que me junto com os meus amigos de sempre para a tradicional futebolada da semana, e alguém que gostaria que uma vez na minha vida algum deles olhasse para mim e dissesse: “Eh pá, oh gordo, tu cada vez estás mais Moutinho!”, seguido das tradicionais diatribes que os amigos tanto gostam de proferir uns para os outros. Perdoar-lhes-ia, só pela última palavra antes do calão.

Desde que vi Moutinho a arrancar na profissão que escolheu que vi talento. Vi uma capacidade inata para manter a bola durante o tempo que queria, escolhendo o passe certo na altura certa, sem inventar enormes desvarios de passes longos a procurar a movimentação de um avançado que raramente percebia o que o diminuto colega no meio-campo pretendia fazer. Moutinho joga devagar, com alma mas com cabeça, mantém a bola perto dos seus pés durante o tempo que é necessário para que nada fuja da estrutura que o treinador lhe manda manter, rodando aquela esfera pelos jogadores mais acertados e fugindo dos mais violentos, procurando sempre o passe mais simples para que o jogo flua com a intensidade que precisa na altura que é preciso. Mal aproveitado no Sporting, onde lhe pediram para ser 10 e 6 em épocas diferentes (e por vezes no mesmo jogo), nunca abdicou da inteligência com que brinda o público que assiste às suas jogadas, geométricas por definição e geniais na execução. É o Xavi português, e tivéssemos nós uma imprensa capaz de elevar o talento a níveis estratosféricos como a espanhola, que conseguiu por breves meses transformar um banalíssimo elemento como Arbeloa ou o Sergi (dependendo do jornal que lessem e da afiliação que propagassem) num talento ao nível de um Baresi ou de um Roberto Carlos, por certo teríamos o nosso João a jogar em campeonatos de nível bem acima do nosso. Como tal, e como o rapaz parece gostar da cidade, do ambiente e do futebol que o rodeia, vamos tê-lo cá mais uns tempos. E que gosto me vai dar, eu que gosto tanto daquele estilo, de um proto-Barcelona pacífico, calmo, tranquilo, de troca de bola olímpica e sem pressas, à espera do momento certo para romper uma defesa com um passe perfeito e deixar o trabalho duro, pressionante e incrivelmente difícil ao avançado que fica frente-a-frente ao guarda-redes pronto a marcar o golo da vitória…que gosto me vai dar ver o João ali no meio, com o número oito nas costas, a aplaudir o bom trabalho do colega, sabendo que foi ele que o criou. É uma honra, João, ver-te a jogar.

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