Passavam para aí quinze minutos e dei comigo a chatear-me com o miúdo ao meu lado. “Este treinador já me está a meter nojo, só inventa,!”. Levantei a voz numa atitude paternalista que é tão rara quanto estranha e reclamei com ele para ter calma, que isto não pode ser assim, já estar chateado quando a equipa ainda nem tinha assentado o jogo. Mas cá dentro, só pensava: “Porra, que o homem arriscou muito, espero que se dê bem com a aposta!”. A verdade é que correu muito bem, em particular a segunda parte, onde o esquema de “James e os Três Anões” funcionou como um relógio suíço em frente a uma equipa que tem muita experiência no meio-campo mas que raramente assustou. Diria que o povo ficou mais preocupado por poder sofrer um golo com uma perda de bola do Maicon do que propriamente com um ataque objectivo do Setúbal. Mas a vitória fica-nos bem e Vitor Pereira ganhou a aposta aos pontos. Vamos a notas:
(+) Vitor Pereira Louvo a audácia de Vitor Pereira, apesar de ter estado renitente durante uma boa parte do jogo. Retirar Varela da convocatória para descansar (corpo e mente), apostar numa equipa sem Hulk e Moutinho de início, incluir Cebola e Defour que por motivos diferentes seria pouco previsível serem titulares e trocar Fernando por Souza…tudo num jogo. É um risco, decerto calculado mas sem dúvida um enorme risco. E começou por não correr muito bem, porque o meio-campo estava preso e não fosse James a iludir os defesas adversários e o fio de jogo teria sido fraco. As três bolas ao poste, por muito espectaculares que tenham sido, não escondem que houve poucas mais situações de perigo durante 45 minutos. Ao intervalo, a aposta subiu de tom. Double the blinds, all-in, go for broke. Tira o trinco e espeta um meio-campo que à míngua de bolas aéreas do adversário se podia dar ao luxo de ter uma média de 1,71m de altura, qual Xavi, Iniesta e um filho dos dois. Foi brilhante a segunda parte, com combinações excelentes e bom futebol. Mérito para Vitor Pereira, especialmente na escolha de Defour e explico porquê. Já há alguns anos que vejo o FC Porto em casa e é raro o dia em que um estreante na nossa casa recolhe tantos aplausos e unanimidade positiva como o belga hoje recebeu. Moutinho foi exemplo disso no ano passado, mas poucos mais houve do género. Vitor Pereira hoje não só ganhou o respeito de muitos portistas como também ganhou mais um jogador, para ele e para os adeptos.
(+) James Esses pés, miúdo! Confirmou que o jogo de Leiria não foi só uma noite de sorte e provou mais uma vez que é ali no meio, na posição que subtrai nove ao número que tem na camisola, que joga melhor. O campo foi dele e já se nota que os adversários ficam na expectativa para perceber o que é que vai sair dos pés dele, porque a tabelinha alterna com o passe picado e a transição de flanco cruza-se com o remate pronto com a facilidade que está ao alcance dos predestinados. Continua, puto, continua!
(+) Defour Só depois do jogo começar percebi que Moutinho não estava em campo, mas tive de olhar para o número na camisola. Defour tem de agradecer a Vitor Pereira a aposta, mas acima de tudo é dele o mérito de conquistar os adeptos ao primeiro jogo. Joga simples, raramente falha um passe e integrou-se muito bem no ataque, cmo bons cruzamentos e excelente visão de jogo. Na segunda parte esteve ainda melhor e conseguiu jogar na posição de trinco (que já tinha feito várias vezes no Standard) na perfeição. Foi rijo no contacto, duro na disputa de bola, agressivo na recuperação e milimétrico no corte pela relva. Fiquei fã.
(+) Belluschi Fez um jogo melhor que tinha feito contra o Leiria por vários motivos: aguentou o jogo físico no meio-campo, falhou menos passes e foi mais consistente em todos os noventa minutos que esteve em campo. Já tem algum capital de confiança com os adeptos e o pessoal já lhe perdoa algumas parvoíces porque vê que está ali um jogador de grande nível. Está a tirar o lugar a Guarín neste início de época, o mesmo que perdeu para o colombiano em Outubro de 2010. Com todo o mérito.
(+) Moutinho Num jogo em que só participou em metade acabou por fazer a melhor exibição da época. Entrou com força para um meio-campo diferente, rápido, de toque inteligente e perspicaz, prosseguindo o trabalho de Defour mas subindo o nível do passe vertical e da leitura de jogo. Moutinho é mais audaz que o belga e nota-se, porque conseguiu marcar e transformar um meio-campo que parecia mortiço numa festa de tabelinhas e passes a cruzar a relva. Muito bem, João, estás de volta.
(-) Maicon Se não viram o jogo, eu descrevo a cena: perto do final da primeira parte, depois de três bolas ao ferro, o nosso jovem central decide que se sente possuído pelo espírito de Ronald Koeman e vendo a baliza a uns meros QUARENTA metros, escolhe a opção mais lógica na sua cabeça: o remate. O estádio ficou a olhar para os postes de cada lado de Diego, guarda-redes do Setúbal, e tenta procurar onde estarão os gajos que levantam as bandeiras em jogos de rugby. Não havia. Era mais provável ver o Mira Amaral ali a ver o jogo vestido de cheer-leader a montar um rinoceronte amarelo do que o remate de Maicon ir à baliza. Mais que esse lance absurdo, confirmo o que diz o Vila Pouca no Dragão até à Morte quando fala da noção que está incutida já no público sempre que a bola vai ter com ele, porque parece que se sente o suster da respiração colectiva. Não vai ser fácil safares-te desse selo, rapaz.
(-) Trocas de bola nos primeiros dez metros de terreno Já vejo o Helton ali de luvas calçadas desde 2005. Há seis anos que o homem é nosso guarda-redes e por isso já me habituei à imagem do gajo a querer fintar avançados. É uma tara, entendo, mas desagrada-me. Acima de tudo pelas razões óbvias: basta uma falha ou o esticar do remo de baixo do adversário e pumba, bola na rede. Mas se somarmos a isso a inépcia técnica e lentidão dos nossos centrais, alvos principais das peladinhas radicais do nosso keeper, temos uma situação exageradamente perigosa e que me enerva. Parem lá de brincar, por favor.
Há jogos em que há pouco a dizer e é preciso ir ao fundo da mente para criar metáforas parvas e rebuscadas para caracterizar a partida. Este não foi um desses jogos. Já lá vamos com quatro jogos e doze pontos, algumas pernas descansadas e a noção de dever cumprido. Temos mais opções, jogadores que vão ganhando minutos em alturas da temporada que provavelmente não pensavam que iriam estar tão interventivos e acima de tudo parece que estamos a consolidar o jogo. É notório que o FC Porto consegue subir de ritmo quando precisa e hoje notou-se que Hulk faz sempre falta mas talvez não faça tanta falta como no ano passado. Já Falcao é outra história, até porque Kleber ainda precisa de mais jogos, muitos mais jogos para chegar ao nível de Radamel, se alguma vez lá conseguir pôr os pés. Tenho confiança no brasileiro e sinto que o pessoal também a tem, particularmente quando vê que o resto dos colegas no ataque conseguem gerar uma quantidade parva de jogadas bem feitas e que podem dar em golos fáceis. Terça-feira estamos outra vez em jogo, mais uma oportunidade para provar algumas teorias e contradizer outras. Venham os ucranianos!