Estaria a roçar o inadmissível ver um jogo destes numa pré-época. Se pensarmos que este é mais um numa série de jogos a não perder para evitar alargar a vantagem do Benfica no primeiro lugar, o impacto de uma exibição deste nível ganha proporções épicas e quase indeléveis. Como que voltando atrás uns meses ao jogo da Taça em Coimbra, onde um recorde de invencibilidade já tinha sido batido noutra competição, o FC Porto jogou em Barcelos com uma inércia assustadora, uma incapacidade de lutar, de vingar, de vencer e de mostrar que os momentos maus tinham já passado e que o futuro era nosso e só dependíamos da própria força para chegar vitoriosos no final da época. Não o fizeram e questiono-me até que ponto a vitória do Benfica na Feira, da forma que aconteceu, não levou a que os nossos rapazes entrassem em campo com a atitude derrotada com que pareceram jogar. Não vi nenhum do empenho que tinha vindo a reparar nos últimos jogos, onde mesmo que as coisas corressem mal parecia sempre haver um brilho nos olhos dos moços que me fazia acreditar neles. Neste jogo, perderam-me e perderam o apoio de muitos adeptos que os louvam e os defendem desde há tanto tempo. Inadmissível, mais uma vez, como no Chipre, como em Coimbra, como na Rússia. Inadmissível. Vamos, penosamente, às notas:
(+) Belluschi O único com discernimento no meio-campo. Com Moutinho a fazer uma partida ao nível de um mau jogador de boccia e Defour tão encostado ao flanco que parecia um bêbado numa discoteca, Belluschi entrou para ir ao choque, para criar os passes de ruptura a furar a defesa e a procurar levar a bola não só nos pés mas também a desmarcar-se por entre o ríjido meio-campo adversário por forma a descobrir o espaço que precisávamos. Conseguiu-o uma vez e deu golo. Mas tentou e rematou e passou e cruzou. Fez mais em 45 minutos que os companheiros do meio-campo durante todo o jogo. Juntos.
(+) Álvaro Pereira Fez-me muita mas muita impressão ver o Palito a jogar tão atrás no esquema de três defesas e o rapaz estava nitidamente frustrado por não conseguir subir no terreno pelo flanco como é hábito. Foi ainda mais enervante vê-lo a levantar os braços quando saía da defesa com a bola, a tentar fazer com que os colegas se mexessem, a incentivá-los a criar linhas de passe para arrastar os defesas do Gil ou a sair da marcação para abrir espaços de maneira a que conseguisse voar pela ala. Nunca o conseguiu mas tentou…e tentou…e tentou, até que percebeu que o apoio não ia chegar de lado nenhum.
(+) Varela Marcou um golo e tentou chegar à baliza quase sempre com pouco discernimento mas muita vontade. Nem sempre conseguiu correr com a bola presa aos pés e continua com uma incapacidade crónica de dominar uma bola e colocá-la rapidamente no relvado, mas ainda assim hoje foi dos poucos que pareceu genuinamente interessado em recuperar a desvantagem.
(-) Apáticos, tristes e derrotados Só tenho uma pergunta: porquê? O que se passou para que os mesmos fulanos que jogaram no Dragão contra o Guimarães no passado sábado tivessem entrado para o Cidade de Barcelos como meninos amedrontados no primeiro dia de aulas mas com três Prozacs no bucho. O que raio se terá passado?! Terá sido da mudança de capitão? (alguém me explique essa, já agora, porque por muito que prefira um jogador de campo como capitão, a mudança a meio da época parece-me no mínimo questionável). Da vitória do Benfica? Do recorde a bater? Da ausência de Fernando? Dos equipamentos contrários? Anybody? Ninguém sabe e ninguém pode saber a não ser os jogadores e o treinador. Seja o que foi que os afectou, fez com que regredissem até ao jogo de Coimbra e jogassem sem força nem vida, com toda a dinâmica de um dólmen e a agressividade de um éclair. Moutinho não criou perigo, Kleber quase não tocou na bola, Souza não obstruiu, Rolando não cortou e Defour não passou em condições. A ausência de jogadas de combinação com um mínimo de fluidez de jogo criava um vazio que ninguém preenchia e deixava-me ainda mais inerte e preocupado. Não falei durante o jogo todo, não me enervei, não me entusiasmei, não me emocionei. Inacreditável. A meio do jogo fui contagiado pela inércia e comecei a perceber que não íamos conseguir vencer o jogo, algo que raramente me acontece. Eu que sou daqueles crentes que fica até aos 8 minutos de desconto à espera do golo da vitória num zero-zero, que acredita que “vai ser este canto que dá o golo, vais ver!”, parei de acreditar. A equipa do FC Porto que hoje jogou em Barcelos fez-me perder a fé durante noventa minutos. Triste, cabisbaixo, emulei os jogadores. A diferença, a grande diferença, é que eu não estive naquele relvado. E dava tudo para poder lá ter estado com aquela camisola no lombo. Garanto que tinha lutado mais que a maior parte deles.
(-) Arbitragem Não é novidade para ninguém que Paixão é mau árbitro. Desde que o conhecemos, naquela mítica noite em Campo Maior em que Jardel passou o equivalente de uma sessão de S&M com um boxeur profissional, que sabemos que é uma bestinha. Uma besta autoritária, exibicionista e arrogante. E hoje não foi diferente, mas com ressalva para a parte técnica. O primeiro golo surge de uma falta que não o é, o penalty nasce de um lance em fora-de-jogo e até dou o benefício da dúvida para o eventual fora-de-jogo no início da jogada do terceiro golo. Mas o penalty sobre Defour é tão inacreditavelmente evidente que me questiono se o rapaz não estará a precisar de rever o livro das regras que qualquer árbitro deve pelo menos ter folheado uma ou duas vezes na sua vida. Decalco Vitor Pereira desta vez: foi uma vergonha. Mais uma. Não justifica a exibição, atente-se, mas não a ajudou.
Nada está perdido. É uma verdade e a matemática está sempre pronta a responder a afirmações cataclísmicas com a certeza dos números. Mas moralmente estamos de rastos, jogadores, treinadores, adeptos, portistas. O FC Porto que vi hoje em Barcelos não quer ganhar, não se quis revoltar contra a arbitragem de Paixão, não se enervou, não se indignou. Limitou-se a continuar a passar a bola de uma forma mais tosca que uma equipa de terceira categoria, resignados a um sentimento derrotista e miserável de quem não consegue virar uma situação desconfortável. E Vitor Pereira, com os erros que possa ter cometido e apesar de ter estado bem na flash onde criticou os jogadores, elogiou o Gil e desancou no árbitro, também não está isento de culpas. Porque aquela máxima parva das desculpas não se darem pois devem ser evitadas só funciona quando se faz por isso. E a anarquia que vi hoje e já vi tantas vezes não pode ser só atirada para os jogadores. Também, mas não só. E nem a falta de Hulk justifica toda a inépcia para praticar um futebol de um nível minimamente aceitável. Foi muito mau e há tanta ferida para lamber que nem sei por onde começar.