Another time, the same place

25 de Setembro de 1994.

Estava uma tarde amena mas pouco solarenga na Invicta. Estava sentado na Superior Sul do Estádio das Antas, ao lado do meu amigo daquelas andanças, pronto para mais um espectáculo que se esperava épico, como todos os eventos a que se assiste quando se é adolescente e nada cínico, onde o mundo é uma ostra pronta para ser aberta pelas delicadas mãos de um rapaz que anseia viver, conhecer, sentir. Que lírico que eu era, meu Deus. Entre conversas, anedotas recorrentes e mais uma mijadela antes de entrar para o campo, espera-se pelo início da partida. A equipa da casa, com as belas camisolas azuis-e-brancas, irrompe do túnel com a tradicional pujança do Dragão (o animal mitológico, entenda-se), acompanhados pelos suplentes e pelo treinador, um amável e entusiasta do futebol, “sir” em título e “mister” de profissão, Robert William Robson. Bobby para todos, não só para os amigos. João Pinto, tocado e poupado, juntamente com Aloísio. Tinha havido jogo contra os polacos do Lodz durante a semana e íamos à Polónia defender a vantagem de dois golos a meio da próxima, antes de jogarmos contra o Benfica na Luz passados oito dias. Semana difícil, dura, rija, com Rui Filipe ainda na cabeça e o calendário sem misericórdia para lamentos.

Mesmo com todas estas condicionantes, no onze havia grandes nomes, grandes vultos do nosso então presente. Baía na baliza, com a camisola garrida do costume. O “Bicho” na defesa, ao lado de José Carlos, o reserva que seria titular em qualquer equipa menos na que tinha Aloísio para o seu lugar cativo. Secretário substituía o capitão e Rui Jorge cobria o flanco esquerdo. No centro, Kulkov construía e Paulinho Santos destruía. Brahma e Shiva, lado a lado. Pela direita seguia Jorge Couto, à esquerda Drulovic. Talento, tanto talento. E na frente, a dupla improvável: Rui Barros e Yuran, com a velocidade do lusitano a complementar a força do soviético. E no banco ainda estavam Cândido, Domingos, Emerson, Latapy e…Baroni. O não-tão-saudoso peruano que já na altura me fazia pensar: “Hei-de te imortalizar, Ronald, vais ver!”.

O jogo começou, lento, chato. A produção era pouca, parcos remates, o tempo ia passando e os doze mil nas bancadas lançavam um enorme bocejo entre eles. E eu, ali sentado, temia que perder pontos tão cedo na época (afinal íamos apenas na quinta jornada) nos podiam começar a atrasar na luta pelo campeonato que na altura não era nosso. Era deles. Era do Benfica. Havia de ser nosso novamente, mas naquele momento tinha fome de títulos. Robson, gritando a partir do banco, dilacerando a lusa língua antes de quaisquer acordos, inventando palavras que só ele sabia pronunciar, tentava animar a equipa. Mas nada feito. O intervalo chegava e o nulo era óbvio, entediante, aborrecido, justo. Sir Bobby, dinâmico nas substituições como raramente o fazia, faz sair Jorge Couto e entrar Domingos para a segunda parte. Nem um minuto foi preciso para que o “nove” que na altura foi “quinze” (porque os números ainda não eram fixos) enfiar a bola na baliza de Álvaro e erguesse o estádio numa onda de alegria. Dois minutos depois e Rui Barros, pequeno em estatura mas gigante em alma e querer, lá fizesse subir o marcador mais uma vez. Don Pasolini nos altifalantes, pneus Kleber para meio mundo, Dancing Queen a tocar e siga a rusga. E o jogo morreu de novo. Os jogadores pararam de jogar, de correr, de suar, porque noventa minutos é tempo para cansar um pedaço e ainda temos uma viagem ao leste e depois à Luz, oh mister, aguente lá os horses.

Acaba o jogo. A malta, satisfeita com o resultado mas desgostosa com a exibição, começa a sair para o final de tarde domingueiro, a caminho das suas famílias, dos carros, dos restaurantes. Mas…que se passa no relvado? Olho para o relvado e vejo que o Zé, o adjunto/tradutor do “mister”, está a chamar os moços todos porque o treinador quer falar com eles. “Então o jogo já não acabou?!”, perguntam alguns a meu lado. “Sei lá, amigo, parece que não!”. Entram as bolas, juntam-se os moços ao centro, uma conversa rápida com Robson aos gritos, e começa tudo a correr em formação. Treino físico, parecia. Mas como?! Depois de um jogo? Se houvesse uma altura em que pudesse ter ficado qual figura de cartoon com o lábio inferior a cair para me bater nos joelhos, esse era o momento certo.

Mas o que vi foi muito simples: o treinador da minha equipa, quando viu que os seus rapazes não se esforçaram o suficiente durante o jogo, não gostou. O público não merecia e ele muito menos, por isso puniu-os, à vista de todos. Mostrou a toda a gente que quis ver e que ficou a olhar boquiaberta para o que se estava a passar, que com ele aquilo não podia acontecer. O esforço tem de ser máximo, os “cento e vinte percent” que Robson tantas vezes gostava de dizer, era essa a percentagem que queria ver em campo.

No passado Domingo o estádio era outro. O tempo era outro. As pessoas são outras. Mas se ainda tivéssemos a mentalidade de Robson, ter-se-ia passado o mesmo. Robson foi campeão à custa de talento, força e muito suor. Quando os jogadores não queriam, Robson obrigava-os a querer. Vitor Pereira ainda não fez o mesmo. Não sei se terá tempo de o conseguir.

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Baías e Baronis – FC Porto 1 vs 1 Académica

foto retirada de desporto.sapo.pt

Saí do Dragão e entrei no metro. Dois homens iam a meu lado na confusão que se gera sempre no sistema de transportes parcialmente subterrâneos da Invicta depois de um jogo da bola. Ingleses, de alguma idade, entretidos numa conversa animada. Vinham do estádio, como eu, e falavam do jogo. Um deles, sósia de um Michael Caine mais jovem, apostaria que era londrino pelo profuso sotaque cockney que marcava cada palavra que pronunciava. Carregando um tabuleiro de xadrez numa mala com pega, dizia ao colega: “How the hell did Porto beat Benfica last week? They play like crap!“. Apeei-me na minha estação de saída e enquanto caminhava pela amena noite nortenha, escutei ao longe um jovem adulto, que como eu envergava uma camisola do FC Porto, a gritar ao telefone: “Oh sôr Silva, não me foda, aquilo não é culpa só do treinador! Não sei se é falta de pernas ou falta de atitude mas os caralhos dos jogadores também têm culpa!“. Concordo com o segundo. Hoje jogamos mal, por falta de pernas ou de atitude, talvez das duas. E só não concordo com os britãnicos porque na semana passada a equipa não jogou como fez hoje. E aí esteve a grande diferença. Notas abaixo:

 

(+) Djalma É difícil encontrar um Baía no jogo de hoje, mas vou apontar o angolano como tendo feito uma exibição positiva. Hulk não esteve mal a espaços e Maicon também não foi dos piores, mas Djalma entrou com garra, esforçou-se, lutou e tentou mudar o jogo, algo que alguns dos seus colegas pareciam não querer ou não conseguir arranjar força para querer. Já aqui disse várias vezes que precisamos mais de Djalmas do que Jameses e reafirmo-o, especialmente neste tipo de jogos. É muito bonito aparecerem situações de jogo pontuais em que o talento resolve problemas que o suor não consegue. Mas se tivermos noventa minutos de esforço…não me digam que as oportunidades de perigo não se tornam menos pontuais e mais recorrentes. É só isso que lhes peço e Djalma, neste momento, é dos poucos que ainda consegue correr com garra durante um jogo inteiro.

 

(-) O regresso da inércia Este FC Porto de 2011/2012 tem uma capacidade kubrickiana de levar os adeptos desde um êxtase de alegria a uma profunda depressão em poucos dias. Depois do jogo da Luz exigia-se que os rapazes conseguissem pegar no jogo pelos cornos, entrar com a fibra e capacidade de circulação de bola que tinha mostrado na semana passada e vencesse a partida com um ou dois golos para depois descansar com ou sem bola. Não o fez. Mais uma vez, numa demonstração ridícula de uma permissividade atroz para com o adversário, entrou devagar, tão devagar que adormeceu os adeptos. O estádio estava estranhamente silencioso, amorfo, inerte, como eles. As lentas trocas de bola contagiaram o público, a incapacidade do meio-campo rodar para a criação de espaços transformou o jogo de futebol num filme de Alexander Payne, onde tudo se passa quando nada acontece. E o apelido do realizador é a fonética certa para o que já aconteceu tantas vezes: o golo dos outros. Rolando, estático, é a imagem da equipa. Parado, a olhar para o oponente que se movimenta sem obstrução, sem oposição, sem problemas, sem barreiras. Marca. Os nossos rapazes entreolham-se e sobem no terreno, mas com poucas pernas e menos cabeça. O FC Porto jogou hoje no Dragão. Mas jogou atabalhoado, sem discernimento e apenas nos últimos 25/30 minutos. É muito pouco para quem quer ser campeão nacional.

(-) As pernas e a falta de alternativas no meio-campo I hate to say I told you so, but I will anyway. Em Fevereiro, aquando da saída de Souza por empréstimo para o Grémio, tinha alertado para este problema. Quando o meio-campo foi de tal maneira depauperado a nível de opções válidas para lá jogarem em partidas que são mais físicas, com menos espaços e com uma necessidade de gente que rompa com a bola e que dê mais luta aos adversários na zona central, o FC Porto vai sofrer. E hoje foi mais um exemplo, com a lesão de Fernando e Moutinho e Lucho a fazerem um jogo horrível, cheios de hesitações, passes falhados e uma completa falta de sentido prático e simplicidade de movimentos, apenas Defour se movimentava um pouco mais no terreno, mas estava a pegar na bola demasiado atrás para ter algum impacto visível. Quando as pernas faltam, a cabeça vai atrás. E é ainda mais penoso quando não há mais ninguém que possa substituir os que temos.

(-) A permissividade da arbitragem A Académica fazia o seu papel. Exagerados nas quedas, muito forçados quando queimavam tempo, foram a definição de anti-jogo durante noventa minutos. Foram provincianos, aqueles montes de esterco. O costume. E nada que nós próprios não façamos em situações semelhantes, com a ressalva que estes moços foram tão ostensivos no papel do coitadinho que podiam figurar em qualquer novela portuguesa tal era a intensidade da actuação forçada em cada cena que protagonizavam. E o obtuso do árbitro, complacente para tudo que vinha de Coimbra, deixava-os fazer o que queriam. Não questiono o árbitro quanto aos lances de perigo na área ou no fora-de-jogo a Hulk que poderá ter sido mal tirado, nem sequer no penalty que marcou a nosso favor. Isso são situações de jogo que acontecem, que tantas vezes beneficiam gregos numa semana e troianos na outra. Mas esta permissividade, quando era claro aos olhos de todos que a fita era premeditada e falsa (várias vezes o jovem academista deitava-se no relvado agarrado a qualquer parte do corpo como se tivesse pisado uma mina pessoal para dois segundos depois dos dois minutos desperdiçados com a entrada da equipa médica e dos maqueiros…se levantar e correr alegremente por campos metaforicamente floridos), enervou toda a gente. Foi um facilitador da mentira. E este tipo de árbitro só estraga o futebol. Estou convencido que não conseguimos vencer por culpa própria. Mas o facto de só termos empatado deve-se em grande parte a Marco Ferreira.

 

E depois do jogo da Luz…o regresso ao Dragão e às exibições que nos fazem duvidar que podemos chegar ao final da época com um triunfo no campeonato. Já por tantas vezes vi este filme onde depois dos guerreiros lutarem a desbravar caminho por terras sarracenas, voltam a casa com uma infeliz representação da futilidade da euforia depois de uma grande vitória. Eram nove finais. Passam a ser oito. E desperdiçámos o jogo que tínhamos na mão e que nos podia ser tão útil daqui a umas semanas. Não ouso dizer que sei o que passa na cabeça dos jogadores ou do treinador, mas se fosse eu com aquelas camisolas no lombo sentia-me muito descontente com o que tinha acabado de fazer. Enfim, vamos à Madeira para tentar mudar outra vez o rumo do nosso optimismo. Ou pessimismo. Já não sei qual deles vinga, sinceramente.

Link:

Ouve lá ó Mister – Académica


Amigo Vítor,

All hail the new leader!!! Aquele jogo na Luz foi do caralho, homem, já não me lembrava de saltar tanto durante um jogo da bola que não estivesse a ver ao vivo, pá. Quero que fiques a saber que me deste talvez a primeira gigantesca alegria de 2012 em termos futebolísticos e nunca mais vou esquecer aquele jogaço. E ganhaste pontos com toda a gente, quando puseste a tomateira em cima do torno e gritaste: “Venham, tragam um martelo dos grandes, força nisso, não tenho medo!”. E não tiveste. E ganhaste. Gaita, Vitor, que grande jogo.

Mas…já sabes que há sempre um mas. Mas…ainda não acabou. Foi bonito, foi glorioso (neste caso talvez uma pitada de glorigozo, soem os pratos da bateria, enfim) mas o caminho a percorrer ainda está pela frente. Nove jogos. E desses nove só precisas de oito vitórias, Vitor, são umas míseras oito vitoriazinhas que tens pela frente para que possamos ir aos Arcos fazer a festa. Olha, e era desta que me estreava em Vila do Conde para ver a bola, uma terra onde se come bem e bebe melhor. Já que não vamos ao Jamor, íamos lá, second best can win this time.

Muito inglês? Ok. Ah ah. Voltando ao jogo de hoje, a Académica já nos tramou este ano. Para a Taça, é certo, mas a sodomização que nos deu em Coimbra ainda me vem à cabeça quando me sento. E hoje à noite, quando me sentar no Dragão, só me quero levantar para gritar golos dos nossos. Mas quero vê-los com força, rapaz. Quero vê-los como os vi na Luz, com aquela fibra, aquela garra e aquela vontade de ganhar que nos faltou nesse mesmo jogo em Coimbra. Força, equipa!

Sou quem sabes,
Jorge

 

APOSTAS PARA HOJE NA DHOZE:

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Leitura para um fim-de-semana tranquilo

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O Nuno Luz tem mais piada que o Jon Stewart

Vi meia-dúzia de minutos do Sporting. E dou desde já os meus parabéns aos moços de verde. Fizeram o que nós não conseguimos por um simples motivo: não desistiram. Responderam a pancada com pancada e meia, lutaram com as armas que têem e ganharam o jogo. Até podem apanhar sete à Bayern na segunda mão, mas esta vitória ninguém lhes tira.

Mas a pérola foi a emissão da SIC. Ouvir o Nuno “Sacos-de-mijo-nos-cornos” Luz, o Paulo Garcia e o outro imbecil do “Go, go home now” a discutirem qual era o rapaz com mais cabeça para sacar um amarelo ao outro e impedir que o adversário jogasse o jogo em Manchester foi priceless. Os dois rapazes? Os únicos que ostentam o seu próprio QI nas costas com todo o gosto: João Pereira (45) e Balotelli (47).

E a forma como Nuno “Olha-eu-no-chão-à-porta-de-Alvalade” Luz faz do nome do italiano o que todos os jornalistas fizeram do Kuwait nos anos 90 é linda. Boloteli. Bolateli. Balateli. Qualquer um serve.

Que besta, senhores.

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