Reconsiderando Abdoulaye

Foi com alguma surpresa que li sobre a renovação de contrato de Abdoulaye pelo FC Porto. Não porque seja um mau jogador, mas pelas circunstâncias em que ocorreu, vindo do nada, quando o rapaz está na primeira semana de pré-época no clube e está pronto a zarpar para Londres com a selecção do Senegal. Ou então, tudo faz mais sentido por causa disso.

Depois de algumas notícias sobre um eventual interesse do Benfica, que podem ou não ter algum fundo de verdade, a renovação aparece numa altura em que há potencial para uma valorização do jogador aquando das Olimpíadas e onde um rapaz de 21 anos que será muito provavelmente capitão da selecção senegalesa pode mostrar-se ao Mundo e revelar as qualidades que nunca escondeu. O que me deixou mais curioso é o facto do FC Porto ter um passado recente em que teve vários defesas-centrais com as características de Abdoulaye, como Bruno Alves ou actualmente Mangala, tudo jogadores muito altos, com excelente capacidade de elevação e alguma agressividade em excesso que terá de ser moderada sob pena de podermos ter de abdicar do seu contributo durante vários jogos ao longo de uma temporada.

Tenho um grande orgulho em vestir esta camisola e vou tentar fazê-lo da melhor maneira. Esta é uma grande responsabilidade, porque o FC Porto é um grande clube e representá-lo é um sonho. Mas tenho os pés assentes no chão e sei que tenho de melhorar muito o meu nível

E é verdade que o nível é alto mas não suficiente. Estamos a falar de um rapaz que fez duas temporadas nas ligas profissionais, uma na segunda liga e outra na primeira. Começando pelo Covilhã, onde acabou a época como…melhor marcador, com 9 golos em 24 jogos, título que somou ao de mais amarelado da liga, com 13 cartões. Seguiu-se o empréstimo à Académica onde em 26 jogos recebeu 10 amarelos…e 4 vermelhos. Ou seja, em duas épocas, Abdoulaye terminou ambas pouco acima da linha de despromoção e onde foi um dos jogadores mais penalizados pela arbitragem. Com todo o direito, porque em muitas situações pareceu exageradamente agressivo nas intercepções e entradas com ou sem bola.

Ainda sou muito novo e tenho ao lado jogadores muito experientes. Os treinos têm sido muito bons e os colegas têm-me ajudado muito. Vou dar o meu melhor e o resto é decisão do treinador

Pois. Talvez ainda precise de mais uma época a marinar noutro clube e a ganhar a experiência que não se compra. Porque neste momento, se ficar no plantel…por muito bom que seja e é, nunca mais vai perder o estigma do “este gajo é um assassino!”. Porque na nossa Liga aparentemente só os jogadores do FC Porto são violentos, brutos, animais, carnívoros de olhos raiados. Rinaudos e Javis são borboletas a esvoaçar perto da relva. E se estivéssemos habituados a ver jogadores como algumas das bestas que jogam por essas ligas fora, como na francesa, onde os centrais pontapeiam primeiro e só depois é que…pontapeiam outra vez, perdíamos um bocadinho essa mania.

Assim sendo vais ter de esperar um bocadinho, Aby (há que arranjar um diminutivo para o rapaz, chamar-lhe ábedulaie vai acontecer como o Mielcarski e passar a ser conhecido como Miguel Castro). Talvez para o ano.

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Quero-me lembrar de mais que um golo ou uma corrida

Semana cheia, esta que agora acaba. Um casamento no Sábado, a festa da alegria de um matrimónio anunciado de um amigo daqueles que os filhos únicos, como eu, gostam de chamar “um dos irmãos que nunca tive”. E a saudade dos tempos passados noutro país, noutra vida, noutro mundo. Ao mesmo tempo, outro amigo que se desloca em trabalho ao mesmo país, à mesma cidade, ao mesmo mundo da outra vida, comigo a funcionar como cicerone virtual a milhares de milhas de distância. A nostalgia ataca, bate forte cá dentro e choro uma ousada lágrima de um misto de alegria e memórias nunca perdidas.

Ao mesmo tempo vejo Mariano a visitar o Olival. Grande Mariano, louco Mariano, lutador Mariano. As vezes que te chamei os nomes que nunca pensaste ouvir, enquanto suavas a nossa camisola, a tua camisola, que colada ao corpo te travava os movimentos como uma parede de cimento no meio de uma auto-estrada. Mariano atravessou paredes enquanto cá esteve e o máximo que me lembro dele são algumas tentativas de recuperar bolas perdidas enquanto se movia de cócoras ou de gatas atrás do esférico. Isso e o golo em Old Trafford. Sim, o golo tosco, tremido, inclinado, torto, esforçado. Um golo à Mariano. Ah, e o golaço ao Sporting, que surpreendeu Patrício com um petardo a dezenas de metros. Vi a bola a entrar directamente em frente a mim, traçando uma linha virtual com o olhar (ver aqui). Que golo, Mariano. Gostava de te ter abraçado e agradecido por nos teres aturado tanto tempo.

E olho para Sereno, mais um defesa no nosso defeso que muito provavelmente não ficará para o resto da época. Outro rapaz esforçado, sem brilho mas com alma, lutador, agressivo, duro. E, tal como Mariano, nunca foi vendido aos adeptos como um salvador da pátria portista. E o que me fica dele, o que me ficará sempre dele, é uma corrida louca de sessenta metros a tentar recuperar um contra-ataque rápido do adversário e a estorvar o avançado verde ao ponto do rapaz falhar o remate isolado em frente a Helton (ver aqui, aos 3’44”).

Heróis sem glória, sem nome. São tantos e a história não ficará com os seus nomes gravados a pedra num mausoléu grandioso. E quantos outros terão a sorte de subir acima do reconhecimento fugaz de um ou outro portista que se lembre destas pérolas que mais tarde ou mais cedo se perderão no tempo?

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Adeus Opalenica, olá Porto!

A Selecção é um amor longo. Eterno, diria. Daqueles que se gosta por gostar sem se saber muito bem porquê, mas que nos habituamos a ter a pessoa ao lado como referência para tudo, das refeições às visitas ao cinema, das cores do papel de parede ao desporto que os filhos devem praticar. É uma alma antiga, gémea, partilhada por tantos, que nos une e leva ao mesmo sítio em todos os locais onde vamos. Desde que sou o que sou e me lembro de ser o que sou, vi esse amor a viajar por esse mundo fora e eu viajei com ele, ainda que longe dele. Vivi à distância, sempre à distância, mas vivi. França, México, Inglaterra, Bélgica e Holanda, Coreia e Japão, Alemanha, Suíça e Áustria, África do Sul, Polónia e Ucrânia. E eu, que da lusa terra olhei para outros continentes com uma sensação de presença, de pertença, de harmonia. Os ingleses têm uma palavra – há termos para tudo naquela abençoada língua – togetherness. Era isso. Togetherness. E em todos esses anos que vivi a nossa epopeia à procura de uma latinha que pudéssemos trazer para casa, nunca fui feliz. Nunca fui inteiramente feliz. A espaços, claro, com um remate do Maniche ou uma finta do Futre, uma defesa do Baía ou um corte do Couto. Mas nunca na totalidade, nunca um pleno de êxtase, de euforia tremenda e sensação de dever cumprido. Sempre ficou curto, faltou qualquer coisa, um pormenor que tantas vezes foi pormaior. E não lamento um único segundo.

Já o clube, esse não. Esse não. As vitórias são tantas e tão variadas. Viena, Amesterdão, Tóquio, Sevilha, Gelsenkirchen, Dublin. Ou Áustria, Holanda, Japão, Espanha, Alemanha, Irlanda, para bater certo com o parágrafo anterior. Mas também Lisboa, Coimbra, Faro, Elvas, Chaves, Póvoa, Braga, Aveiro, Portimão, Funchal. A todos estes locais levei força, levei honra e vontade e de todos eles trouxe alegria.

A verdade, quando penso nisso, é que o meu clube me deu muito mais alegrias que a Selecção. E agora, neste momento que “acabou” o Europeu para as minhas cores, é altura de voltar a focar a minha atenção no clube. De regressar ao azul-e-branco, que tantas alegrias me deu.

Porque as próximas alegrias…estão ali a chegar. É já no dia 2.

Até já.

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