Um Porto-Guimarães (ou Vitória, como eles insistem em ser chamados) é sempre um jogo motivador. Esqueçam as cabeçadas dos últimos anos, com o FC Porto “a pagar em todas as frentes” segundo vontade do Vitória aliado pontual do Benfica. Há muitos anos que vejo este jogo ao vivo e há sempre qualquer coisa de diferente. O Nuno Assis a ser insultado, o Dane a falhar golos, o Quim Berto a marcar livres ou o Neno a tentar pontapear o Jardel na cabeça. Sempre qualquer coisa de diferente, menos na relação entre adeptos, que se mantém constante e é curioso perceber que os da actual capital europeia da cultura sente e propaga a rivalidade entre os dois clubes, ao passo que os da cidade que já o foi há onze anos não sente essa rivalidade. Apenas um leve e singelo sentimento de desprezo. Com estes factores ao barulho, a vitória soube bem. Soube melhor ainda porque a equipa mostrou que começa a aprender a jogar sem Hulk, por muito que ainda trave nos processos de construção, com alguma trapalhice a meio-campo e uma dinâmica atabalhoada em frente à área, para não falar lá dentro, onde Kleber parece um elemento estranho. To the noutes:
(+) Fernando Juro que me apeteceu saltar para dentro do campo por duas vezes hoje à noite. A primeira foi quando Fernando recuperou (mais) uma bola a meio-campo, no chão, se levantou e procedeu a fazer passar o esférico por entre as pernas do adversário, fazendo-a rodar com um toque singelo com a sola da bota. Entrava para lhe dar um beijo na testa e dizer: “Moço…que lindo!”. A segunda foi quando um excelente carrinho que cortou uma jogada de ataque com um desarme LIMPINHO na bola, só para o árbitro marcar a falta inexistente de onde apareceu o golo do Vitória. Aí entrava só para lhe dizer: “Não se chateie, sr. Reges, eles não merecem que fiques de fora em Barcelos!”. Para lá do “bromance”, foi mais um jogo quase perfeito de Fernando que está a fazer uma época que o pode catapultar para um grande europeu no Verão. Só no Verão.
(+) Varela Esforçado, lutador, com alma, velocidade e empenho. Este Varela hoje não se limitou a passear pelo relvado como tinha feito durante toda a primeira volta do campeonato, mas sim um Varela que parece ter recuperado alguma alegria e a convicção que consegue voltar a fazer tudo o que já fez na Invicta. Sinto que a falta de uma presença forte na área, como Falcao era, limita um pouco a capacidade de Varela fazer a diferença porque é necessária uma boa “parede” para as tabelas que o Silvestre sabe fazer tão bem, para lá da referência visual para onde centrar a bola. Espero continuar a ver Varela no mínimo a neste nível.
(+) Rolando Estável, firme, sem inventar e a tentar jogar simples e prático. Parece estar mais concentrado do que aconteceu no início da temporada e está sem dúvida a melhorar do ponto de vista da comunicação com Otamendi. Os passes longos continuam a ser exagerados mas são cada vez menos e mais certeiros. Mas hoje não há como não falar do golo que marcou, com um domínio de bola perfeito antes de enfiar a bola de primeira no fundo da rede de Nilson. Excelente, meu caro. Excelente.
(+) O sentido prático de Maicon (defensivamente) É um daqueles gajos que muita gente chama “jogador de pontapé prá frente”. Não contesto. Mas por vezes é preciso haver um fulano desses na equipa, como Jorge Costa foi durante muitos anos, depois de João Pinto ter carregado essa bandeira muitos mais. Quando há alturas em que todos os elementos que povoam a zona mais perigosa para as nossas próprias redes parecem estar a brincar ao meiinho com o adversário e perdem a concentração necessária para sair com a bola controlada, lá aparece o tolo careca a mandar semelhante biqueirada na bola que se acertasse no focinho do Vale e Azevedo era capaz de o fazer esquecer das negociatas todas com a Euroárea. Não é bonito, não é construtivo, mas às vezes é necessário. Só precisa de aprender a não abusar.
(-) Kleber na área É surpreendente ver o único ponta-de-lança de raíz do plantel a mostrar tão pouco instinto de ponta-de-lança quando joga na área. Há uma jogada que me ficou na mente porque me incomodou de tal forma que não a vou esquecer tão cedo. Kleber é lançado em velocidade, já não me lembro por que colega, e tem uma posição que lhe permite o remate de pé esquerdo. Qualquer ponta-de-lança, quando colocado perante uma oportunidade daquele calibre, só pode ter uma imagem na cabeça: um pontapé que ponha a bola no fundo das redes. Kleber parece estar constantemente à espera da bola perfeita na posição perfeita e no momento perfeito. Nunca vai acontecer, rapaz, e os melhores cabeças-de-seta do Mundo são peritos em tocar poucas vezes na bola. Às vezes, basta um toque. E tu estás a dar toques a mais para o que produzes.
(-) Moutinho e James na primeira parte Fracas, bastante fracas as exibições de um e outro na primeira metade do jogo. Moutinho esteve lento, complicou o que não precisava de complicar e nunca conseguiu imprimir a dinâmica que o meio-campo precisava e onde Fernando era de longe o melhor elemento, seguido a alguma distância por Defour. Já o colombiano esteve ainda pior e cheguei a pensar que ia sair ao intervalo. Raramente causou perigo com a bola nos pés porque a perdeu vezes demais em grande parte pela lentidão com que jogava e invariavelmente fazia com que se deixasse antecipar por qualquer bestinha de branco que lhe apareceu por perto. Subiram de produção na segunda parte (principalmente Moutinho) mas o arranque foi medíocre. Se Moutinho tem direito de ter um dia menos bom, admito que espero mais consistência de James a esta altura da época.
(-) Os últimos dez minutos Compreendo que muitos jogadores não sejam o zénite da inteligência humana. É normal, há de tudo e no meio de todo o talento para a bola é natural que se percam três ou quatro milhões de neurónios. Mas creio que todos eles sabem que um jogo se disputa ao longo de noventa minutos regulamentares. Pronto, 90, para os que não perceberem o número escrito por extenso. E já não é a primeira vez (Beira-Mar, Estoril, Braga, para dar alguns exemplos) em que os jogadores do FC Porto, por gestão física ou mental, acabam por permitir muita posse de bola ao adversário no final dos encontros e se até agora as coisas têm corrido bem, um destes dias pode ser que tal não aconteça e venhamos a lamentar um empate ou pior. É preciso manter a atenção até a senhora gorda cantar, como dizem os americanos. No nosso caso, até o árbitro apitar.
Todos os jogos são essenciais enquanto estivermos noutro lugar que não o primeiro. Todas as exibições têm de ser fortes, rijas, com espírito de sacrifício e exige-se entrosamento e empenho em alta para conseguirmos continuar a pisar os tornozelos dos moços de vermelho lá de baixo. Para a próxima semana, o nível tem de ser pelo menos o mesmo mas há ainda muitas pequenos pormaiores a corrigir: a atenção defensiva no final dos jogos, a destreza na área, o sentido prático na finalização e acima de tudo as bolas paradas que raramente são perigosas. Este jogo foi jeitoso. Que venham mais destes.
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