Hulk

Lembro-me de estar sentado no Dragão numa solarenga tarde de Verão em 2008. Na altura, um desconhecido brasileiro com uma das mais ridículas alcunhas dos últimos tempos estava em campo a envergar uma camisola pouco usual para avançados. Com o doze nas costas, Givanildo transformou-se numa das melhores e mais importantes aquisições do FC Porto desde que sou portista, um homem que tem o dom de fazer estádios levantar, de levar adeptos à euforia numas alturas e à profunda irascibilidade noutras tantas. Hulk mudou o jogo das equipas de que fez parte, atravessou três treinadores e conquistou montanhas de títulos, tanto individuais como colectivos. Tornou-se na imagem do clube, na figura que atravessava mundo com a nossa camisola e que mediatizou ainda mais a nossa equipa em competições nacionais e europeias.

Hulk é a imagem da influência que um jogador pode ter uma equipa, por muito que essa mesma equipa seja de um nível já bem alto na habitual escada do sucesso. Poucos jogadores, no decorrer da minha própria carreira como adepto portista, vi com a mesma capacidade de revolucionar um jogo morto, de trazer vida a um ataque insipiente, de mudar o desfecho de uma partida com a força, a velocidade, a potência que aplicava em todas as jogadas de que fazia parte. À imagem de Deco ou Quaresma, em tantos e tantos jogos a equipa dependia dele e ele era a equipa. Era para ele que todos olhavam, dentro e fora de campo, como o enorme martelo que parte o cubo de Rubik quando já ninguém tem pachorra para encaixar nas posições certas. Era Hulk, era quase sempre Hulk, o actor principal em filmes vistos vezes sem conta, quando a equipa não tem pernas nem inspiração para trabalhar de uma forma produtiva para que o resultado fosse parecido com o que os adeptos sempre procuram. Era Hulk que pegava nesse difícil facho da responsabilidade e zarpava para o ataque com todo o resto da equipa por trás dele, despreocupada, inflexível, confiante que o colega conseguiria um remate indefensável, uma aceleração inatingível ou uma finta letal. Hulk foi vezes demais a figura da equipa, uma imagem de dependência que nos habituámos a ver durante anos seguidos e que, por força do destino e de meia-dúzia de bem arquitectadas minúcias, nos deixou durante meses e nos fez perder um campeonato que podíamos e talvez devíamos ter ganho.

Era também um invulgar motivo de discórdia. As atitudes furiosas, o constante questionar das decisões do árbitro, os lances após lances que perdia quando tentava fazer algo impossível até para ele, as decisões erradas do “chutar quando deve passar” e vice-versa, os livres para a bancada, os amuos, as críticas, os lamentos. Mas era sempre um dos que chegava ao fim do jogo com a camisola a pingar do suor de um lutador, de um headliner que sempre o foi e sempre quis ser. E na nossa memória, na memória de todos nós que daqui a uns anos vamos falar com os nossos filhos e netos e dizer-lhes que houve um brasileiro que era uma montanha de força e que usou a nossa camisola durante quatro anos, vamos todos recordar os cincazero ao Benfica, os slaloms em Donetsk, Madrid, Moscovo, Sofia, Lisboa e Porto, os golos na Champions, os remates de longe, as vitórias, as tantas vitórias que tivemos à custa dele, e vamos sorrir.

Vou ter saudades de Hulk. Era um homem da casa, capitão de equipa sem que convencesse que era esse o seu principal papel, mas fundamental na forma como melhorou a relação com os árbitros a partir desse momento. Foi bruto, rijo, duro e genial; foi agredido, pontapeado, injustiçado e justiceiro; foi golo, remate, míssil, decisivo. Hulk foi nosso durante anos e a partir de hoje deixa de o ser. E temos todos de aprender a jogar sem ele, porque tal como Deco ou Quaresma, quando sai uma peça de tal maneira fundamental na estrutura de uma equipa, é natural que todos iremos sentir a sua falta. Cabe aos adeptos entender isso e exigir que os outros todos saibam calçar as botas do 12 e aproveitem para marcar o seu próprio nome.

Hulk houve um. Agora, temos de ter vários para suprir a falta. Boa sorte, rapaz.

Link:

Pass imprecise

  • Primeiro cenário: Otamendi tem Maicon ao lado direito, na posição natural que ocupam durante todo o jogo, todos os jogos. Vê Moutinho a trinta metros, com um adversário à sua frente. O argentino olha para as peças em campo, avalia o fluxo mental que lhe permite uma melhor probabilidade de sucesso e decide passar pelo ar. A bola sai alta e longa demais, o português não chega mas bate palmas ao esforço, Otamendi levanta o braço e pede desculpa. Bola para o Gil Vicente.
  • Segundo cenário: Danilo sobe pela linha, correndo como o papa-léguas a fugir do imbecil do coiote. Chega a um certo ponto em que vê que não vai conseguir avançar mais no terreno sem ter de se transformar em Hulk e fintar sete adversários que estão imediatamente à sua frente, olha para o lado, recua um pouco e pesa as opções. Opta então por uma lateralização para Varela, que está então no flanco oposto, e envia a bola como se tivesse sido possuído temporariamente pelo espírito sempre presente de Guarín, acertando no esférico com a força de mil titãs e rodando como os pneus do carro do Alonso em Silverstone. A bola sai alta e longa demais, o português não chega mas bate palmas ao esforço, Danilo levanta o braço e pede desculpa. Bola para o Guimarães.
  • Terceiro cenário: Maicon dirige-se para a lateral, encurtando o espaço e o tempo para tomar uma decisão. Olha para cima, vê Atsu a sessenta metros, decide enviar-lhe a bola numa mudança de flanco que faria inveja a Beckenbauer. A bola sai alta, o ganês não chega mas bate palmas ao esforço, Maicon levanta o braço e pede desculpa. Bola para o Olhanense.

Experimentem trocar os intervenientes e o adversário. O resultado é o mesmo. Há semanas, meses, anos que o resultado é persistentemente o mesmo na vasta maioria de circunstâncias que decorrem mais ou menos como estas que acima descrevi. E o adepto, o que joga a bola aos sábados e fá-lo por carolice em vez de o fazer por um ordenado, tem aquela sensação estúpida que lhe ultrapassa a mente e o discernimento e só pensa: “Porque raio é que não meteste a bola no teu colega do lado?!”. Não sou jogador de futebol, nem sequer tenho contacto directo com alguém que o seja, por isso é complicado para mim conseguir penetrar na psique de muitos destes rapazes. Mas se há uma coisa que nunca vou conseguir entender é a necessidade que tantos têm de fazer o mais difícil só porque na altura lhes pareceu a melhor opção.

E é por isso que admiro cada vez mais jogadores como Xavi, Pirlo ou Moutinho. Porque sabem que a opção mais simples é sempre a melhor. E se Robson pedia “pass precise” em todos os treinos, não faço a menor ideia do que Vitor Pereira lhes pede. Mas não podem ser as mesmas coisas.

Link:

Baías e Baronis – Olhanense 2 vs 3 FC Porto

foto sacada de MaisFutebol.pt

É sempre estranho olhar para um resultado de 2-3 a nosso favor e depois consultar as estatísticas do jogo. Verifica-se logo que houve domínio claro, na posse de bola, nos remates à baliza, no fluxo ofensivo e no controlo de jogo. Mas quem assistiu à partida viu que o jogo teve porções distintas de bom futebol alternado com pontapé para a frente, com falhas grandes a nível defensivo. Saímos em cima, virando um resultado estupidamente negativo depois de uma sequência de desatenções, mas podemos ter recuperado de vez um activo para o plantel: James. Sem ser consistente durante o jogo todo, há alturas em que o brilho do colombiano ofusca todos os outros em campo e esteve perfeito na entrada, no primeiro golo e na assistência para o segundo. Só podemos esperar que assim continue. Notas abaixo:

 

(+) James Assim sim, rapaz. Assim mostras do que és feito, ao contrário do que tinhas vindo a fazer durante um bom punhado de jogos este ano até a semana passada. Surpreende-me a velocidade no controlo de bola e no passe (porque a técnica e o talento não surpreendem nada, há dois anos que os vejo), mas lamento que só quando começa um jogo no banco é que parece ficar mais “picado” para entrar em campo e ajudar a equipa. Genial o passe para o segundo golo, perfeito o chapéu a Ricardo no primeiro, aproveitando o que o nosso ex-keeper nacional tem de pior e que os gregos já agradeceram há oito anos. Continua, miúdo, mas assim, não como em Barcelos.

(+) Moutinho Uma corrida louca atrás de uma bola que ressaltava em velocidade uns bons 20 metros à sua frente. Não conseguiu lá chegar mas João mostrou que é disto que é feito e fê-lo também para mostrar aos adeptos que está cá até deixar de estar. Um jogo estupendo de controlo de bola, passe certeiro e rotação de bola a meio-campo, conseguiu mostrar o grande talento que tem da melhor forma, com luta, com empenho, com suor. Os adeptos podiam duvidar da vontade de Moutinho, mas não creio que tenham razões para o fazer. Ainda bem.

(+) O início da segunda parte Forte, pressionante, rápido, eficaz. Todos os adjectivos que faltaram durante tantas semanas no ano passado e vários minutos já este ano, todos eles estiveram à vista no arranque do segundo tempo e o resultado foi óbvio. Um golo depois de várias tentativas e a reviravolta no marcador. Uma salva de palmas para quando conseguirem mostrar isso mesmo durante alguns jogos consecutivos. Preferencialmente desde o início do jogo, pode ser?

 

(-) Tremideira nos últimos dez minutos Compreendo que os rapazes estivessem cansados, principalmente Hulk e Moutinho que se fartaram de correr todo o jogo. Mas se somarmos essas duas peças em baixo rendimento na zona final a outros dois que por natureza pouco defendem (James e Varela), temos uma equipa de putos a pontapear bolas para a frente sem que consigam manter um fio de jogo estável e amedrontando-se perante o Olhanense como se as cores fossem as mesmas mas estivesse o Milan do outro lado. Mais confiança, rapazes, fazem favor de não dar enfartes aos adeptos? Alguns de nós ainda se lembram do Olympiakos e do Sparta de Praga, ou até do Nacional aqui há uns anos. Obrigados.

(-) Ausência de FernandoÉ uma constatação que até Rui Santos pode tirar sem que o acusemos de ser um pederasta benfiquista: sem Fernando, a zona central em frente à defesa fica muito fraca. Defour tem boa vontade mas é incapaz de manter um jogo defensivamente estável e com posse de bola firme e sem sobressaltos, mas nem a entrada de Castro ajudou, tal é a disfunção entre a posição natural tanto do português como do belga quando comparadas com o raio de acção do brasileiro. Fernando continua a ser vital para tapar os desiquilíbrios naturais de uma equipa com balanceamento ofensivo e é muito complicado rendê-lo, especialmente quando o adversário dá pancada de criar bicho, como foi hoje o caso o Algarve.


Não tão bom como o jogo contra o Guimarães (o adversário não só é melhor como distribuiu lenha como um madeireiro no inverno, com João Ferreira a ter um critério exageradamente largo, que compreendo mas não aceito alguns dos lances divididos com Rui Duarte, Abdi ou Maurício, a roçar a violência), mas o suficiente para que tenhamos saído do Algarve satisfeitos. Não mais iremos tão a sul no campeonato, mas a imagem que deixamos foi de uma equipa que parece ter índices competitivos mais altos que no ano passado e certamente acima da primeira não-exibição em Barcelos. A pausa que vem aí é uma bela duma treta, portanto.

Link: