Falar de jogadores é fácil. Todos nós já entrámos num campo da bola, maior ou mais pequeno, com ou sem chuteiras, a pontapear um esférico de couro para trás e para a frente, sem nos preocuparmos imensamente com problemas tácticos ou nuances posicionais. É só chutar a bola para o próximo gajo ou directamente para a baliza, se a bola lá conseguir chegar. Ninguém se preocupava com treinos, preparação física, palestras antes dos jogos, gritos de incentivo das laterais tingidos com as adequadas correcções dos movimentos dos jogadores, o alinhamento dos nomes para a ficha de jogo, as decisões das convocatórias, a atitude perante dezenas de jornalistas sedentos de sangue. Nenhum de nós teve de lidar com amuos, imperfeições, lutos, azares ou falhas humanas. E também nenhum teve de acalmar nervosismos, de travar excessos de confiança, de consolar jogadores que falharam penalties e de motivar os que os vão marcar a seguir, ao mesmo tempo que tem de manter uma equipa em níveis de topo para vencer todos os jogos que se lhe aparecem à frente. Por isso fica o disclaimer: que ninguém pense que ser treinador do FC Porto é um trabalho fácil. Passemos à frente.
A época foi épica. Mas quem acompanhou o desenrolar da temporada percebe que nem tudo correu bem, logo desde o início. Vitor Pereira, sem dúvida nenhuma o grande vencedor da campanha, teve uma vida difícil muito à imagem do que tinha acontecido no primeiro ano. Mas notaram-se diversas melhorias especialmente no ponto de vista táctico, em que os jogadores pareceram assimilar muito melhor as ideias do treinador depois de uma época inteira a viver, sejamos honestos, da vida de Hulk e do que ele conseguia ou não fazer no decorrer de um jogo. A presença de um homem de área, que tinha sido talvez o elemento fundamental para que a táctica de rotação de bola em constante posse não tivesse resultado em pleno no ano passado, foi determinante. E foi decisiva a entrada de Jackson para que houvesse alguém em quem colocar a bola e que conseguisse funcionar muito para lá da mobilidade torpe de Kléber ou da estatura física de Janko, servindo como pivot quando era necessário, de costas para a baliza, ou para aparecer na área na altura certa e na posição certa para marcar. Jackson foi o garante do funcionamento da táctica que Vitor tentou durante dois anos implementar na mente dos jogadores que mais trabalhavam para a fazer resultar, nomeadamente Moutinho, Lucho e James. E funcionou durante largos períodos, com um futebol bonito, atraente, posses de bola na percentagem dos sessenta e muitos, e que apesar de criar poucas oportunidades de golo em virtude do que seria expectável dada a enorme diferença de tempo em que tínhamos a bola em nosso poder, lá ia aparecendo o passe perfeito para a finalização correcta. Funcionou bem, a espaços. O jogo em Guimarães, juntamente com os confrontos europeus contra PSG e Málaga no Dragão talvez tenham sido os zénites da aplicação prática de uma enfatização teórica que atravessou as nossas mentes desde Agosto. Quando a equipa jogava com confiança, quando Fernando tapava atrás, Lucho e Moutinho rodavam no meio, James descaía da ala para o centro e Jackson marcava, tudo corria bem. Mas houve alturas em que a posse de bola era entediante, o jogo demasiado recuado e pausado, onde parecia que os jogadores estavam demasiado despreocupados em acabar com a partida cedo e deixavam tudo para segundas-partes que nem sempre eram tão calmas como as primeiras, onde o nervosismo ia começando a baixar a moral e a transtornar as bancadas e onde quase tudo parecia perdido. Foram jogos como o Olhanense no Dragão, o Marítimo na Madeira ou o Rio Ave em Vila do Conde, onde a equipa simplesmente não parecia funcionar como um todo. E perdemos pontos vitais com esta mentalidade tão lusa, esta constante procrastinação que o treinador não controlava e se alheava de comentar nas conferências de imprensa depois dos jogos. Tudo estava bem na cabeça e nas palavras de Vitor Pereira, quando era visível que esse não era o caso.
Na gestão do plantel, Vitor fez o que pôde. Casos como os de Kléber ou Iturbe, possuídos de uma tal inoperância competitiva que tornaram a sua utilização inviável, associados a um curto plantel e ainda mais curtas opções para certas posições, foram cansando peças-chave e tornando a vida do treinador mais difícil. Danilo e Atsu renderam abaixo do previsto, Varela foi um nado-morto em determinada altura da época e não fosse a excelente primeira volta de Lucho, intercalado com a participação sempre activa de Defour e o aparecimento de um Mangala em grande (e Abdoulaye a espaços) a colmatar as ausências de Maicon por culpa da lesão e Rolando por culpa própria. E o que dizer de Jackson, que Vitor “obrigou” a fazer a época toda quase sem sair da relva, com um Liedson que o treinador não via como opção mas recebeu-o como “prenda” da SAD sem muito poder dizer ou fazer? Foram muitos problemas para um homem lidar, mas Vitor nunca desistiu, deu a cara pelo grupo e pelos seus rapazes e teve a sorte que fez por merecer. Fez de Mangala um jogador completo, melhorou as já grandes potencialidades de Alex Sandro, motivou Kelvin para que pudesse entrar e jogar os minutos necessários para criar uma imagem indelével na cabeça dos adeptos, evoluiu Fernando para um quase-box-to-box, manteve Moutinho como líder com a bola e Lucho sem ela e deu a conhecer Jackson a meia-Europa. E notou-se a evolução até do ponto de vista do seu próprio visual e atitude, longe do parolinho que apareceu em Julho de 2011 a apresentar-se aos jornalistas como comandante de um dos melhores clubes do Mundo. Está melhor, com mais nível, nunca perdendo a personalidade que sempre teve de homem simples mas adaptando-se melhor a um mundo novo que é mais exigente, mais analítico e acima de tudo bastante mais cínico.
Mas…e há sempre um mas nestas coisas…nunca foi forte. Nunca pareceu forte, isto é. Quando um naco enorme dos próprios adeptos pedem a sua cabeça por cansaço em ver jogos consecutivamente sofríveis, Vitor virou o discurso para fora e tentou atirar com as culpas para outros, em mind-games óbvios e que só resultaram porque a soberba alheia tolhia o pensamento e abafava as verdades. As eliminações da Taça e da Champions caíram mal, especialmente a segunda, pela forma infeliz com que a equipa se abafou sozinha e onde o treinador foi culpado de não conseguir convencer os “seus” que eram capazes de dar a volta por cima. E a final da Taça da Liga, por muito que admitamos que não interesse por aí fora, é mais uma marca de que é preciso ser forte, ser rijo quando é preciso, e Vitor raramente o fez, pelo menos para fora. Nunca conseguiu reunir um apoio inequívoco dos adeptos, que querem a vitória mas começam a ficar cansados do que têm de atravessar para que ela chegue. E o síndroma do number-two-becomes-one (ou de Peter, como quiserem) pareceu uma espada de Dâmocles em constante perigo de cair, não fosse o final aprazível para a malta. Não caiu e Vitor Pereira sai da temporada em alta, com cartas na mão para usar e a opção de poder continuar, presumo que à espera de melhores condições para continuar a implementar a sua visão, os seus métodos, a sua identidade.
Bottom line: Vitor Pereira é honesto, não duvido. Portista de alma, coração e outros órgãos aleatórios, acredito sem questionar. Tem estatísticas ao nível de poucos, com uma derrota em sessenta jogos e nenhuma nos últimos quarenta e três. Valorizou jogadores e já deu muito dinheiro a ganhar ao clube. Apanhou de tudo e de todos sem se vergar e conseguiu vencer com mérito. E se tiver condições para pôr a equipa jogar bem e continuar a vencer…que mais podemos pedir?
VITOR PEREIRA: BAÍA
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