De Wholen para Julen para Boolen

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Não tenho por hábito começar a criticar treinadores quando chegam ao clube. Fi-lo uma vez, há já vários anos, quando Octávio foi contratado para pegar na equipa depois de alguns anos de Fernando Santos terem progressivamente levado o clube a penar durante três anos com um plantel manhoso recheado de contratações absurdas (Kaviedes e afins) que tramaram o destino imediato e só terminaram quando o messias de cabelo grisalho chegou à Invicta. Desde então tenho tentado manter-me sempre com alguma tranquilidade sempre que aparece um novo treinador e até Del Neri ou Fonseca, nomes que foram imediatamente castigados por uma grande quantidade de sócios e adeptos, me mereceram respeito e a permissão de mostrarem o que valiam durante algum período de tempo. Um estado de graça grátis, vá. Lopetegui não foi excepção.

E mantive essa ilusión (não resisti, perdoem-me) durante muitos meses. Houve três momentos que me levaram a questionar a minha passividade e a aceitação de um treinador como líder das nossas tropas a caminho do título. De qualquer título. Enumero-os e vão já perceber o que é que fez mudar de ideias, mas antes, a imagem e a concepção de um treinador adequado para o FC Porto. Vejo sempre um líder como alguém que faz os seus súbditos seguir as suas indicações sem questionar os motivos, que dão sangue a drogados com agulhas apanhadas do chão se eles lhes pedir. Treinadores que não precisam de pedir mas recebem devoção, empenho, capacidade de trabalho e uma fé inabalável no que ainda nem sequer foi exigido. Preciso de olhar para ele no banco e acreditar que há ali algo que consiga conjugar o físico com o técnico, a táctica com a estratégia e que seja capaz de tornear as dificuldades, enfrentando-as de frente e fazendo peito perante os demónios. Um Aquiles com os calcanhares enfiados em cimento, como diria o Izzard.

Raramente acontece aparecer um desses e se Mourinho foi um dos que mais se aproximou (AVB esteve perto em termos de criar essa imagem mas saiu antes de a conseguir concretizar, muito provavelmente com medo de não chegar lá), acredito que o próximo é que é. Uma espécie de Sportinguista nos 90s, se quiserem. E ate gostei do estilo de Lopetegui, devo admitir. Discurso fluido, respeito pelos adversários (demasiado respeito a partir de um certo ponto) e uma estratégia em campo que me parecia que podia funcionar mas seria sempre de risco elevado. Os jogadores teriam de ser síncronos, geniais, entrosados, exigia-se talento, rapidez de pensamento e perfeição na execução. Lopetegui seria uma espécie de mini-Guardiola raçado de Scolari em 2002, em que o simples facto de colocar os jogadores em campo faria com que magicamente aparecessem as sinergias que eram necessárias e os golos surgiriam com naturalidade, as vitórias ir-se-iam suceder e os títulos seriam conquistados com facilidade.

E depois, comecei a ver a equipa a jogar. Não era brilhante, trocava bem a bola com um ou outro jogador a destacarem-se pela positiva (Óliver, Casemiro, Danilo e Jackson) e a equipa conseguiu jogar algum futebol interessante. Até chegar a Munique, que fez implodir qualquer tipo de moralização que se tinha composto durante várias semanas e acabou por destruir o resto da temporada. O jogo seguinte, na Luz, agravou a minha dúvida acerca de Lopetegui porque não vi a equipa a recuperar mentalmente. Vi um grupo destroçado, à deriva, sem que tivesse havido um homem por detrás daqueles miúdos que conseguisse pegar neles e colocar as peças de volta no tapete. Terminada a época, sem títulos, optei por dar outra hipótese a Lopetegui, ao abrigo da desculpa “a SAD vendeu-lhe os jogadores principais”, que não deixa de ser verdade.

Mas este ano, até ao jogo contra o Dínamo, a equipa não evoluiu. O jogo de Lopetegui não evoluiu, as suas decisões não evoluíram, nada evoluiu. Estagnámos e mantivemos um tipo de jogo que era notório que não iria funcionar, pecando sucessivamente em jogos fáceis e mostrando pouco nos confrontos principais. O jogo em casa contra o Dínamo, seguido pela derrota em Alvalade, um pouco à imagem do que Fonseca fez na Luz, mostrou que esta equipa estava descrente, sem fé, sem alma, sem vontade e sem capacidade de regressar do fosso. Prenderam-se às ideias que não pareciam compreender e Lopetegui deixou-se ir atrás de um sonho que não conseguia impôr. E hoje, quando olho para trás, não acredito que Lopetegui tenha capacidade para o fazer. Um caçador de sonhos sem rede.

É fácil atirarmos culpas para cima de Julen Lopetegui pela incapacidade de colocar a equipa a jogar em condições durante quase uma época e meia; para a SAD que lhe deu confiança sem resultados para a suportar; para os jogadores que não perceberam ou não quiseram perceber; para os árbitros do #colinho que empurraram o Benfica para o campeonato nos momentos certos; ou para os empresários que nos impuseram jogadores que não eram necessários mas que serviram certamente para ajustes ou negócios agradáveis para alguém. É fácil culpar, bem mais complicado decidir.

O que é preciso, hoje mais que tudo, é termos um clube mais dinâmico de cima para baixo. Uma estrutura que consiga lidar com estes e outros problemas de uma forma dedicada e com o interesse do clube em primeiro lugar. E isso não se resolve com mudanças de treinador. Só com mudança de mentalidade.

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Baías e Baronis – Boavista 0 vs 1 FC Porto

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Ah, carago, que isto já soube mais a derby que no passado Domingo! O resultado é curto para ambas as equipas (aí um 1-3 era mais aceitável) mas a constante agressividade, a expulsão de um jogador do FC Porto no Bessa, a relativa incerteza no resultado e uma ou duas escaramuças dentro de campo já trazem um cheirinho de nostalgia que já não sentia há que anos. Fica pouco para o futuro para lá daquilo que deve ser um recorde absoluto de cartões amarelos para o nosso lado sem que o adversário tivesse levado outros tantos por faltas idênticas e acima de tudo a passagem às meias-finais da Taça. Nada que não fosse já esperado. Notas já aqui em baixo:

(+) Helton. Depois de um jogo com algumas boas intervenções e uma falha grande que quase levava a que o poste atacante do Boavista marcasse quase sem querer, consegue defender um penalty aos 94 minutos e evitar um prolongamento que se avizinhava penoso. E fê-lo no meio de uma pequena-área que tinha mais terra que relva, onde a bola passava o tempo todo aos saltos. E ainda foi falar com o miúdo que falhou o penalty para o confortar. Ah, não esquecer que ainda conseguiu enquanto saltava para agarrar uma bola aérea, dar um pontapé no Carlos Santos, que é sempre um bónus positivo.

(+) Danilo. Bom jogo no meio-campo defensivo, onde conseguiu parar todo o jogo do Boavista pelo centro e interceptou doze sacos de bolas sem qualquer problema. Usou o corpo quando foi preciso e apesar de ter arrancado com as hostilidades da nossa parte (depois das hostilidades terem começado, para os fulanos do Boavista, a partir dos zero segundos de jogo), raramente cedeu a fazer o mesmo que os adversários. Não faço ideia como se controlou.

(+) Herrera. Foi um elemento importante para manter a estrutura da equipa depois da expulsão de Imbula mas muito antes disso já estava em bom plano, sem fraquejar na luta e a tentar sempre construir com critério e trocar a bola do centro para as alas na altura certa. Parece estar em boa forma física (acabou o jogo cansado mas era expectável) e acima de tudo mental. Que continue assim, por favor.

(-) Imbula. Não tem culpa do selo de vinte milhões. Mas tem culpa de não tentar mostrar que vale pelo menos um décimo desse valor. Imbula é a imagem de um jogador que não está com a cabeça no sítio, que tira o pé nos lances de confronto físico leal e depois tem uma daquelas atitudes que ninguém compreende. Não consigo encaixar na minha cabeça que consiga ser tão despreocupado e esteja tão desmoralizado como o vi hoje, mas se tem hipótese de mostrar ao plantel, à equipa técnica e a qualquer possível novo treinador que está pronto para agarrar o lugar e não o faz, algo se passa. Neste momento, Imbula é um jogador a mais no FC Porto e se assim continuar vai ser um dos piores investimentos de sempre do clube, mesmo que o vendamos por um valor acima do que custou. Eu sei, eu sei, a mais-valia financeira pode ser positiva. Mas a desportiva, até agora, é muito perto do zero.

(-) This is Boavista. Imaginem que são um homem alto mas tímido. Entroncado mas pacífico. Nunca arranjaram problemas com ninguém, viveram sempre a vossa vida a alhearem-se de chatices, a afastar os males para salvaguardar a sanidade e a paz. Uma espécie de John Coffey a Xanax, pronto. E aparecem-vos onze malfeitores a morderem os calcanhares, a atirarem-vos tijolos aos dentes, a tentarem furar-vos os gémeos com garfos de cocktail enquanto comem tremoços e cospem as cascas para a vossa cara. Nalgum ponto o status quo parte-se e decidem arrancar para a violência, com um chapo em cada um dos gajos que os manda para o hospital com os dentes enfiados na parte de trás da nuca. E, entretanto, há um polícia perto de vocês, que permite tudo aos infiéis, acalmando-os com suave retórica e gestos simpáticos, ao passo que mal vê o primeiro bofetão que espeta nas fuças dos tristes saca da varinha e desata a bater-vos sem critério nem credo que vos salve. Foi isto o jogo de hoje no Bessa. Um bando de gente má que usa os pés e as mãos para desfazer os adversários como o Van Damme perante um grupo de árvores. E eu sei bem que os homens mais tecnicistas estavam sentados no banco (um boliviano, um romeno que deixou saudades e até um português que também foi nosso vários anos) mas foi um abuso, mais um, que sofremos hoje.


O Gil Vicente é o próximo adversário e aposto que será mais complicado que esta espécie de Boavista. Quase que estou disposto a meter dinheiro nisso.

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Ouve lá ó Mister – Boavista

Caro Rui,

Tudo bem, rapaz? Belo jogo que os teus fizeram no Domingo, até me deixaram a salivar um bocadinho em antecipação do que pode ser o resto da época se eles estiverem sempre com aquela liberdade de movimentos e facilidade de usar os recursos que têm para os fins que eles foram feitos! Mas moderemos o entusiasmo, afinal jogaste contra o equivalente futebolístico das estátuas da ilha da Páscoa, por isso vou deixar os julgamentos para tempos mais próximos, contra outro tipo de adversários no campeonato.

Mas hoje a história pode ser bem diferente. Hoje não há pontos. Hoje é bota-fora. Mata-mata. Empurra-pela-borda. Andar-na-prancha. You get the gist.

Não há nada que um boavisteiro goste mais que ver o FC Porto a sofrer e garanto-te que hoje, apesar de estarem ainda doridos nos glúteos depois do empalamento de aqui há uns dias, vão estar prontinhos para virem para cima de nós sem qualquer problema em apanhar outros cinco. Depois das comportas rebentadas, que se lixe a barragem, não é verdade? E por isso apesar das lesões podes ter a certeza que vão tentar arrancar pernas e calcar olhos. Leste bem, é por aí.

Gere bem os teus moços e não penses no jogo em Guimarães. Este é bem mais importante, pelo menos por hoje!

Sou quem sabes,
Jorge

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Baías e Baronis – Boavista 0 vs 5 FC Porto

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Não foi um derby normal. Em nada. Duas equipas em momentos de forma semelhantes, com sequências de resultados negativos e treinadores recentes no banco. Ainda que o nosso seja re-estreante e já tivesse assento garantido nos jogos anteriores como adjunto, a imagem que a equipa mostrou em campo pareceu um pouco diferente dos últimos jogos, apesar dos onze jogadores serem exactamente os mesmos que se humilharam na passada quarta-feira contra o Rio Ave. Mais dinâmicos, soltos e lutadores, os rapazes parecem querer mostrar que estão aí para as curvas e o futebol que mostraram, apesar de não ter sido genial, foi bem melhor do que tinha vindo a ser. E espetámos cinco ao Boavista, o que é sempre um motivo para sorrir. Vamos a notas:

(+) O sentido prático. Um meio-campo que joga solto, sem as prisões de uma concepção de organização táctica que obriga a equipa a rodar por zonas desconhecidas e os força a não conseguirem jogar de uma forma fluida é meio-caminho para mau futebol. Sim, Lopetegui tentava implementar a sua estratégia e aplicar o seu modelo aos seus jogadores. Rui Barros manteve os jogadores mas abdicou (até ver) da construção de jogo lenta, variando flancos com muito maior velocidade e aproveitando os muitos espaços que o Boavista cedeu. Os rapazes de azul pareceram bem mais “leves”, com mais confiança e muito mais vontade de produzir um futebol aceitável e isso levou a que o jogo fosse mais mexido, com lances bonitos de entendimento e vários golos a aparecerem com naturalidade. Ah, e outra coisa: houve velocidade. Velocidade pelas alas, velocidade de recepção e troca de bola e até pelo centro! Velocidade, aí está uma palavra que não usava há que tempos…

(+) Herrera. Talvez o melhor jogo do mexicano com a nossa camisola. Muito mexido, prático nos passes, a aparecer em zona de finalização várias vezes e a conseguir concretizar um golo com um excelente controlo de bola e noção de posicionamento, apesar do remate ter sido risível. Teremos um novo Herrera a jogar mais solto, menos obrigado a vir buscar jogo ao meio dos centrais? O tempo o dirá.

(+) Danilo. Mais um bom jogo perante uma cambada de cotoveladores e empurradeiros, a mostrar que nalguns jogos é essencial ter um homem forte no meio em jogos do campeonato, algo que Ruben não consegue e talvez nunca venha a conseguir fazer. Marcou um golo para ficar na memória, com um calcanhar ao primeiro poste. Sim, o Danilo.

(+) Aboubakar. Dois golos e mais um ou dois por marcar. Bem no apoio ao meio-campo, beneficiou imenso da forma como os jogadores do centro do terreno se desdobravam em apoios e não o obrigavam a recuar tanto como era normal, porque Vincent descia para receber bolas altas e rapidamente as soltava e desatava a correr para a frente, como devia ser a normalidade e não a excepção. Assim sim, rapaz!

(+) O golo de Corona. Que perfeição técnica de drible, arranque e remate, a trocar de pés como poucos vi a fazer em toda a minha memória de jogadores no FC Porto. Aliás, posso mesmo afirmar que personalizou algumas grandes glórias do nosso passado em todo o lance: Conceição no approach, Deco no drible, Domingos no remate!

(-) Um Boavista de II Liga. Os adeptos não têm culpa, muito menos os jogadores. Mas este Boavista é um bom exemplo do que um terço das equipas da I Liga valem em relação ao resto das equipas de “topo”. Um conjunto de rapazes que procuram a correria em vez da troca de bola, que privilegiam o choque e o jogo directo e físico em vez de optaram por jogar futebol em condições. Uchebo é uma espécie de reservatório de água à americano com a adição de um rabo de cavalo, ao passo que Luisinho corria como louco e Idris e amigos no meio-campo começaram e acabaram o jogo com entradas tardias, braços esticados e tão pouco futebol que me mete pena perceber que o destino será a II Liga numa questão de poucos meses. E é aí que, infelizmente, merecem estar, eles e mais uns quatro ou cinco.


Não comecemos já a pensar que está tudo bem e que a mudança de treinador resolveu tudo, até porque nem mudamos de treinador nem nada está resolvido. Mas os mesmos jogadores que empataram na passada quarta-feira no Dragão foram hoje vencer por cincazero. Houve bons sinais, sim, mas o tempo dirá se são permanentes.

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Ouve lá ó Mister – Boavista

Caro Rui,

Provavelmente não te lembrarás de mim. Afinal era só mais um dos muitos putos que te ia ver, a ti e aos teus colegas, quando Sir Bobby estava no lugar que agora vais mais uma vez ocupar. E lembro-me distintamente de um treino em que andava para lá com um ou dois amigos, a ver os nossos heróis a chegarem com os bólides a brilharem ao sol, enquanto procuravam um lugar para estacionar naquela zona por detrás do departamento de futebol do Estádio das Antas. Chegaste, com sorriso aberto e olhar terno e simpático, pronto para assinar autógrafos e saudar a miudagem. Saíste do carro, reparaste num grupo de putos que parecia um bom pedaço mais adulto que os outros e, enquanto olhavas em volta, carregaste no botão do alarme e afastaste-te da viatura a caminho do treino para impores os teus cento e sessenta centímetros no relvado secundário do complexo desportivo. Bons tempos, Rui, bons tempos.

Hoje tudo parece diferente. O ambiente mudou (oh, se mudou), os nomes são etéreos, digitais, ausentes e tão distantes desses grupos de miúdos que a única forma que têm de se aproximarem deles é através do vidro do carro enquanto trava para logo seguir disparado a sair do centro de estágio. Não lamento, apenas noto a nostalgia que não conseguirei nunca evitar. E hoje, contra estes mânfios da rotunda que há tantos anos nos lixam a vida naquele estádio (e até no nosso, como tu sabes tão bem), dão-te o comando da caravela cheia de furos e cravejada de escorbutos e outro tipo de infelicidades que se têm vindo a abater sobre nós.

Não espero que ganhes o jogo, só te peço que o tentes fazer. Faz com que os teus jogadores mostrem que estão com força para dar a volta a esta tremenda série negativa e que vamos conseguir sair por cima e continuar à procura do título. Ninguém te exige mais que isso, Rui.

Sou quem sabes,
Jorge

PS: já sei que estão à espera que fale do Julen. Fá-lo-ei durante a semana, quando a poeira assentar um pouco.

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