“Estou? Sim? É o FC Porto? Olá, viva, daqui fala a Realidade. Exacto, essa mesma. Calma, tenha lá calma, era só para lembrar que estão com os pés elevados há tempo que chegue e que era prudente abaixar as gâmbias para ficarem um bocadito mais…vá, normais. Não leve a mal, a sério, mas há alturas em que parece que estão a colocar os acabamentos todos catitas e pode – não estou a dizer que é, apenas que pode – ser que ainda falte erguer as paredes. E os alicerces também. E as sapatas. E os prumos e por aí fora. Sim, isso. Ah, muito bem, estamos de acordo. OK, logo combinamos para daqui a quinze dias e voltamos a falar nessa altura, pode ser? Impecável, um abraço!”. Notas, já abaixo:
(+) Brahimi. Acabou o jogo exausto, furioso com o mundo, a vida e a relva, frustrado por um resultado que não correspondeu ao que fez em campo. É terrível olharmos para o campo e pensar que Brahimi, como Deco, Quaresma, Hulk e tantos outros, é “o” gajo para quem os colegas olham quando constroem lances de ataque mais rápidos e directos. E Brahimi recebe a bola seja aos oito ou aos oitenta minutos e espera-se que consiga ter o mesmo discernimento e a mesma explosão na forma de executar. Muito fez ele durante todo o jogo e tentou, quase sempre com pouco ou ineficaz apoio, furar a defesa do Setúbal. Raramente conseguiu mas foi dos jogadores mais activos da equipa e não se podia pedir mais.
(+) O golo, de Óliver a Corona. Sublime. A forma como Óliver recebe a bola nos pés, olha para cima e envia a bola por cima dos defesas para o remate perfeito de Corona. Juro que no estádio fiquei a pensar: “Oh homem, tanta força, o Soares não chega lá e nao está ninguém do outro lad…” …e depois vi o Corona. Sim, eu não vi o Corona de uma posição elevada na bancada. Mas Óliver viu, no meio dos corpos e das pernas todas na frente dele, com a bola a rolar e a pressão dentro da área. Não é para todos, não senhor.
(-) Ansiedade. Há duas diferenças muito grande entre este jogo e os diversos jogos que o antecederam: em primeiro lugar, estava em jogo o primeiro lugar; e segundo, a bola não entrava. Os jogadores entraram em campo com o intuito de resolver depressa e despachar rapidamente o adversário e nunca conseguiram acalmar o jogo de uma forma consistente para que a estratégia conseguisse ultrapassar a anti-estratégia (mais sobre isto, bem mais, ali em baixo) do oponente. E foi notória a forma ansiosa, nervosa, aos tremeliques, que a equipa viu os minutos a passar e os lances perto da baliza do Setúbal a acumularem-se sem que se conseguisse enfiar uma lá dentro. Se pensávamos que o excelente golo de Corona podia ter acalmado o povo, a verdade é que o golo que sofremos foi um murro do qual a equipa não mais recuperou e que obrigou a que o desespero tomasse conta dos jogadores, que se deixaram enredar no cinismo do adversário e na sua própria incapacidade de escolher o melhor caminho para chegar à baliza contrária. A verdade é mesmo esta: podia ter sido um jogo como o que aconteceu contra o Rio Ave, onde recuperámos a desvantagem e conseguimos sacar os três pontos. Não foi porque a bola não entrou quando podia ter entrado e porque nos enervámos demais por causa disso.
(-) Danilo. Talvez o pior jogo do ano para um dos melhores jogadores do campeonato. Complicou demais na fase de construção e foi talvez aí que começámos a não conseguir ganhar o jogo, porque no esquema que Nuno apresentou hoje, semelhante ao que já fez em várias partidas, é pedido a Danilo que consiga ser mais vertical e assim faça esquecer o facto de haver apenas um médio de construção. Não conseguiu e a falta desse elemento volante no meio-campo (habitualmente André^2) fez com que o trinco tivesse de levar a bola para a frente mais metros do que é necessário. Somando a isso, teve um jogo trapalhão, com várias hesitações e alguma incapacidade de cobrir o terreno do costume com a habitual eficácia. Foi um mau jogo que veio na pior altura.
(-) Setúbal e o anti-jogo. A dada altura comecei a desejar que alguém tivesse a coragem de ficar “full Joe Pesci” durante o jogo e pegasse num pau, entrasse no campo e rebentasse as rótulas do Bruno Varela e assim provocasse de facto uma lesão que os médicos pudessem tratar, porque a quantidade de vezes que o jogo esteve parado para assistir lesões fantasma do guarda-redes e dos seus muitos seguidores morais que hoje estiveram no Dragão foi qualquer coisa que deve ter dado para bater recordes. Compreendo, como qualquer pessoa que vê futebol há muitos anos, que equipas pequenas tentem gastar tempo para acalmar o jogo dos maiores, mas não entendo como é que esse é o foco primário da estratégia para um jogo de futebol. Foi nojento e os doze minutos de descontos (cinco na primeira, sete na segunda) foram poucos para o que hoje se viu no Dragão. Estimo, do fundo do coração, que o Setúbal precise de ganhar um jogo para se manter na Liga e encontre uma equipa igual do outro lado. E que, perdendo o jogo, desça de divisão, com todos os seus jogadores a chorar em pleno relvado enquanto são atingidos por sacos cheios de estrume em chamas arremessados pelos adeptos que entretanto invadiram o relvado. E que afundem o clube com eles, de uma vez por todas.
Depois de tudo ter mudado, nada mudou. Continuamos em segundo e temos de ir ganhar à Luz. A pausa das selecções afinal pode ajudar, ou não. Seja como for, nunca mais são daqui-a-quinze-dias!