Monsieur Nuno, o meu olheiro em terras dos coqs (bem soletrado para evitar chatices com a fonética, porque eu sei que não és desses), chamou-me a atenção para um artigo publicado no blog de Daniel Riolo, jornalista da RMC (Radio Monte Carlo). O meu francês já não é o que foi na altura do meu ensino secundário e está ao nível de um turista a passear em Paris que sabe ler as placas e alguns panfletos para festas underground (clandestins, peut-être), mas até me safei bem e percebi o que lá está prosado.
A posta prende-se com o excessivo enfoque da televisão actual, através dos seus realizadores, na visão redutora e curta do que é de facto um jogo de futebol. Estes números, contabilizados por Daniel Riolo e referentes às repetições exibidas no decorrer do jogo, são conclusivos e preocupantes:
- França vs Alemanha, Mundial 1982 – 34
- França vs Brasil, Mundial 1986 – 24
- França vs Brasil, Mundial 1998 – 89
- PSG vs Brest, Ligue 1 – 91
- Lyon vs Rubin Kazan, Champions League 2011/2012 – 127 (!!!)
Riolo avança (tradução é minha, quem achar que está errada ou falaciosa pode visitar o artigo e corrigir-me à fartazana):
“A televisão ignora cada vez mais as situações de jogo em que a bola não está presente, as movimentações sem bola ou desmarcações que são essenciais no futebol. Tendo isto em conta, no próximo jogo reparem bem como são filmados os lançamentos laterais, é inacreditável. Há muitas coisas que hoje em dia já não conseguimos ver, há muitas repetições, demasiados grandes planos, jogadores filmados ao perto e isolados de qualquer contexto. E o futebol é um desporto colectivo!”
Touché. Com a mediatização excessiva que o futebol atravessa, com um ênfase exagerado nas pessoas que vêem futebol com as pessoas que estão de facto a VER futebol, que leva a que o jogo em si seja desconsiderado para agradar a todos. E a vertente financeira é a que mais lucra, porque um plano apertado do Cristiano Ronaldo vende muito mais que todo o meio-campo do Barcelona durante 10 minutos e a camisola justa do Totti é muito mais importante que a organização defensiva do Milan, por muito que não devesse ser o caso para quem gosta de facto de ver futebol.
Riolo continua:
“Infelizmente, o tema “Futebol e Televisão” é um enorme tabu devido aos esmagadores desafios financeiros, ao enorme poder das estações e à dificuldade crónica que há em falar do meio da televisão em si. E as estações nunca convidam pessoas que possam aparecer nos seus programas para os criticar. No entanto, parece que vivemos numa democracia…”
É verdade que a técnica melhorou e é hoje muito mais fácil exibir uma repetição rápida ou focar num cruzamento para avaliar a velocidade ou trajectória da bola que é disparada do pé de qualquer indivíduo. Mas um dos problemas é que leva a críticas instantâneas a árbitros ou jogadores e tantas vezes cínicas e pouco fundamentadas, fazendo com que o público em geral, que habitualmente acaba por comer o que lhe dão sem questionar, como acontece no futebol e noutros ambientes na nossa sociedade, se lance em demandas imediatas e não pare para pensar um pouco no que de facto se passou e se foi mesmo o que lhe foi permitido ver. É assim que o meu pai me dizia: “Este Lucho não joga nada, pá, parece que nem sem mexe em campo e nunca vejo o gajo perto da bola!”, que no ano passado transformou em “Oh, o Moutinho é que parece que não faz nenhum, anda para ali e nunca o vejo muito tempo com a bola nos pés…”. Isto vindo do mesmo homem cujo ídolo futebolístico era…Beckenbauer, que raramente tinha a posse da bola durante mais de dois ou três segundos de cada vez. Mas na altura, o meu pai via de facto o homem com a bola, porque não se filmavam pessoas com cartazes “XXXXX, dá-me a tua camisola”, ou meninas bonitas ao telemóvel nas bancadas, nem se apresentavam os penteados todos ao pormenor enquanto o jogo estava a decorrer. Chamem-me saudosista, vá lá.
É por estas e por outras que o futebol tem de ser visto ao vivo. A televisão, agregadora e universal, traz-nos o desporto para a sala e facilita que vejamos tudo dentro de um jogo. Mas esse tudo é só o que querem que vejamos.
olá, bom dia!
Deixa-me comentar pela primeira vez neste teu espaço.
Já te vou lendo a algum tempo, pelo que te devo dizer que gosto do modo como escreves, gosto da tua paixão pelo desporto, respeito tuas cores!
Aprecio muito o modo como falas de futebol, do estrangeiro e do nosso, e o teu espaço é a prova viva de como se consegue escrever com inteligência, humor,sem ódios e estúpidas picardias, com respeito, acerca da bola que vai saltando por esse campos relvados fora e que nos faz, tantas vezes, por horas ou segundos, ter a vida “suspensa”!
Abraço, de um benfiquista e lisboeta (porta 13, mas de outro estádio), eternamente apaixonado pelo Porto….cidade:):):)
Muito obrigado. Falar de futebol é muito mais agradavel quando as clubites nao tolhem o raciocinio :) um abraco!
Jorge,
apesar de não saber qem é esse Nuno a quem te diriges;
nem perceber o nº 24 ou 34º à frente do jogo tal do Mundial;
esta reflexão está excelente e comungo dela completamente.
Os grandes planos tiraram o futebol da tv, aquele em que se via o kaiser a passar a bola e a desmarcar-se a seguir, de modo que era um central altamente finalizador e não pelos lances de bola parada que, aliás, raramente discutia no ar.
De facto, o Riolo tem razão, as tv’s nunca convidam quem for lá para as criticar.
Ja está corrigido, obrigado pelo heads-up.
Isto de comentar no tlm é uma chatice. Os numeros referem-se as repeticoes em cada jogo.
Muitas vezes tenho dito aos meus amigos que quem gosta verdadeiramente de futebol, tem que assistir aos jogados no local onde ele se está a desenrolar.
E isto é verdade não só nos grandes estádios e vendo os chamados “deuses” da bola, como num canteiro onde um miúdo salta e corre a pontapear uma embalagem de leite com chocolate ou num pelado a assistir a jogos da “Liga dos Últimos”
O que passa na TV é um filme que regista um espectáculo num determinado local onde está a decorrer um jogo de futebol, mas não somos nós a vê-lo mas quem conduz os nossos olhos através de uma câmara.
Daria um comentário para muito pano falar do estado de espírito de quem vê uma partida no local onde está a decorrer e quando a ele assiste no sofá. Mas acho ser suficiente dizer que há muita diferença entre a história narrada numa fita e aquela em que somos nós, também, protagonistas.
Claro que o futebol tem de ser visto no estádio; mas, como não cabemos todos lá nos jogos grandes, nem vamos todos poder ir a S. Petersburgo ou a Dublin, todos os anos e a todos os jogos, então ainda bem que há a televisão. O problema não são os contratos e o dinheiro. O problema é a falta de qualidade e de preparação das transmissões…Porque obviamente não é fácil, e requer tempo e preparação. – Uma das coisas que em certos jogos me surpreendia é onde o Helton se colocava… a tv não passa isso. Porquê? porque o realizador está a ver as imagens das câmaras e não conhece o jogo. Ou seja, o realizador teria de ir ao estádio ver vários jogos das equipes para saber antes dos jogos quais deveriam ser as questões importantes do jogo, e deveria poder espreitar ou ter quem espreitasse por ele para o campo. Eu sei que as sinfonias têm partitura, o que torna tudo mais fácil, mas as realizações para tv de concertos necessitam que o realizador conheça a partitura e que saiba se vão entrar os oboés ou o cimbalo… (e, mesmos esses quantas vezes nos dão a face do maestro?…)
Para além disso quando tens que filmar num estádio onde só cabem 3 câmaras aumentam as dificuldades e terias que ir lá com mais antecedência ainda para estudares como superar isso. Então, tá queto!…Como no futebol há pouca ou nenhuma concorrência e quando há é pela fofoca, para tapar a falta de qualidade entra-se nas imagens de primeiro plano (a fofoca) ou no “dá-me a tua camisola”…
Por isso sou a favor das transmissões com muitas câmaras, acho até que é uma fantástica hipótese para se ver futebol… o problema está tão só nas realizações.
(Eventualmente, é impossível uma pessoa só fazer melhor, e com 6 câmaras se faria melhor… -não tenho conhecimentos para comentar isso.)
então um realizador de futebol precisa de saber que equipas estão a jogar? não concordo, porque o que é aplicada é o talento para visualizar e transmitir ao público não só a emoção do desporto mas a melhor forma de conseguir exibi-lo de uma forma abrangente. há cedência a mais a interesses publicitários e a uma população inteira que desiste de gostar de futebol para só se focar nos futebolistas…
Acima de tudo, as equipas de realização de tv que cobrem um jogo de futebol têm de gostar de futebol!
Têm de gostar de futebol e perceber alguma coisinha daquilo, especializarem-se, saberem exatamente aquilo que um adepto gosta…porque para close-ups parvos há programas com miúdas e maminhas…que nao sao parvos e a malta gosta, mas nao é disso que se fala aqui :)
concordo com a ideia de que as equipas de transmissão se deveriam igualmente preparar minimamente face às equipas dos jogos que vão cobrir e serem capazes de mostrar, numa emissão “interessante”, movimentações de jogadores, por exemplo.
Falava-se aqui num posicionamento do Helton…fui por várias vezes (não muitas diga-se :) ) ao Dragão com amigos portistas e fui-me deliciando com as movimentações do Lucho, jogador que aprecio bastante..e depois torna-se difícil debater o assunto com amigos benfiquistas que só vêm o jogo na tv..porque não se tem a perceção…curiosamente passa-se a mesma coisa atualmente a debater o Aimar com amigos portistas :).
outra coisa que me irrita profundamente é o sistemático e abusivo uso de repetições em cargas, faltas, agressões, erros de arbitragens….e não passa na mesma quantidade os dribles, as desmarcações, os pequenos pormenores que nos fazem adorar este jogo…lembro-me que à uns anitos atrás, havia um genérico da TVI que era só entradas duras, duras…que hino ao futebol!!!!
futebol, podendo escolher, no estádio, faça chuva ou sol!
abraço.
O mundial feminino (perdoa-me a heresia) estava filmado duma forma diferente, mais afastada. Os jogos que vi achei-os bastante agradáveis do ponto de vista tático (e só isso), exatamente porque se via o campo. Tá bem, o futebol feminino não tem aqueles detalhes up-close para vender a mercados menos literados na tática, mas o problema está mesmo aí. As realizações não são assim por acaso, não são os gajos das câmaras que deixaram de perceber como filmar futebol. Alguém pensou nisto, alguém fez o estudo para ver o que os chineses e os gringos curtem e adaptou-se o futebol a eles. O futebol filmado assim não funciona para nós, europeus. Um dia, “eles” aperceber-se-ão e as coisas mudam e os gajos como eu que estão reduzidos à televisão vão começar a perceber o Moutinho.
Podíamos começar a mandar mails à SportTv e ao Blatter (do outro não falo por casa daquela cena da casa do enforcado e da corda).
btw,