A entrevista é simpática e acaba por ser uma viagem a um passado não muito distante, uma conversa agradável com uma das nossas maiores figuras, que ainda tive o prazer de ver jogar ao vivo com a nossa camisola. Retirado da edição de hoje do ionline, da autoria de Rui Tovar.
Faz hoje 25 anos que aterrou no Porto um jogador que mudaria a história de Portugal, com dois golos em duas finais internacionais (Bayern e Peñarol)
Carlos Lopes nos JO em Los Angeles-1984, Rosa Mota nos JO em Seul-88, Fernanda Ribeiro nos JO em Atlanta-96. Já ficámos acordados de madrugada para ouvir o hino português. E também para festejar o título mundial do FC Porto, em 1987. O golo da consagração (um chapéu de aba larga: 30 metros) foi do argelino Madjer, que já havia construído a jogada do 1-0 de Gomes. E que, já agora, havia assistido Juary para o 2-1 com o Bayern Munique na final da Taça dos Campeões e que, dois minutos antes, marcara de calcanhar o golo do empate. Madjer só fez 148 jogos pelo FC Porto mas é um dos jogadores mais importantes da história azul e branca. Mas de onde é que ele veio? E como? E quando?
A esta última pergunta, a resposta é hoje, 8 de Setembro. Só que de 1985. Faz 25 anos que Madjer chegou ao Porto, via Tours, uma equipa da 2.a divisão francesa, que não o quis por mais uma época, por “insuficiências técnico-tácticas”, de acordo com as declarações de um dirigente francês ao jornal “L”Équipe”, na edição de 18 de Agosto desse ano. O i quis saber isso e muito mais. Entrevista ao quinto melhor jogador africano de sempre (atrás de Weah, Milla, Pelé e Belloumi) e ao mais influente estrangeiro do FC Porto (à frente de Jardel e Cubillas).
Boa tarde Madjer. Falo de Portugal.
Boa tarde, amigo. Tudo bem?
Tudo. Sabe que dia é amanhã?
8 de Setembro.
Isso não lhe diz nada?
Hãããã… Que falta um mês para eu chegar a Portugal. De férias.
Pronto, isso é agora. Mas a 8 de Setembro de 1985, o Madjer aterrou no Porto pela primeira vez. Lembra-se?
Sim, claro, no Aeroporto Sá Carneiro. Cheguei com o Lucídio Ribeiro, empresário português que trabalha muito no mercado francófono. Estava um dia cinzento. Fui para o hotel e daí para o Estádio das Antas, para ver o FC Porto-Penafiel [3-1, com golos de Semedo, Gomes e João Pinto] onde conheci toda a gente. Houve logo química: o presidente Pinto da Costa, o médico Lima Pereira, André, Frasco, Gomes, Futre, Eduardo Luís, Jaime Magalhães, João Pinto, Juary. Tudo gente cinco estrelas.
E Artur Jorge?
Também, também. Grande senhor do futebol.
Mas vocês tiveram os vossos problemas.
Sim, mas problemas com solução. Por muito bom que seja o espírito de uma equipa de futebol, e o FC Porto era como uma família, há sempre alguém às turras com alguém. Ou o presidente com o treinador ou o jogador com o treinador. São coisas que vão e vêm. E passam. Quando havia esses stresses, nada melhor que ir almoçar ou jantar.
Mas isso não se faz diariamente?
Não, digo almoçar ou jantar com a malta amiga. Nesses casos de stresse, organizávamos excursões à Póvoa de Varzim para comer e relaxar. O André era o líder espiritual desses convívios. Era também o mais divertido do plantel, sempre bem disposto e a contar anedotas. Como o Lima Pereira, outro capitão dentro e fora do campo e sempre pronto a comandar as suas tropas [risos]. Como o Futre, jovem e irreverente como só ele sabia. Resumindo: se houvesse algum stresse comigo, eles resolver-me-iam a situação num abrir e fechar de olhos. Percebes?
Claro. E porquê Póvoa de Varzim?
Invenções do André [risos]. Ele é de lá. Amigo, havia lá um restaurante fantástico. Não me perguntes o nome que não me lembro.
E lembra-se de como entrou na equipa do FC Porto?
Sim, sim. Muito bem. O primeiro jogo foi no Estádio da Luz, com o Benfica, na festa de inauguração do Terceiro Anel. Um jogo particular e empatámos 0-0. A estreia oficial foi também em Lisboa, mas no Restelo. Ganhámos 3-2 ao Belenenses e eu fiz duas assistências para o Gomes. Depois, recebemos o Sporting e vencemos 2-1. Até que veio o tal jogo que me desbloqueou, no Bessa. Foi 2-1 para nós e eu marquei os dois golos, os da reviravolta [Casaca fizera o 1-0]. Pronto, a partir daí, ninguém mais me agarrou.
Só na Póvoa de Varzim.
Pois é. Olha, daqui a um mês lá estarei. Ao volante do meu Toyota.
Qual? Aquele que ganhou em Tóquio?
Esse mesmo. Na final da Taça Intercontinental-1987, fui eleito o melhor em campo e ganhei um carro. Levei-o do Japão para Portugal e desde então nunca mais me desfiz dele. Está lá, guardado na garagem da minha casa, em Vila Nova de Gaia. Tenho o mesmo carro há 23 anos e está como novo. Nunca me deu problemas. Nem um! As marcas japonesas são, de facto, do mais fiável que há. Mas isto é só com carros. Porque já viste o tempo que estava em Tóquio naquele dia? Tudo menos fiável. Na véspera, nublado. No dia do jogo, nevava, nevava, nevava e não parava de nevar. Aquilo era impressionante. E eu que nunca tinha jogado na neve. Nem eu, nem os outros.
Nesse jogo marcou o golo da vitória.
Um grande chapéu quase do meio-campo. Foi o golo que mais prazer me deu, porque significou o título mundial. Mas não foi o mais bonito. Esse foi o de calcanhar…
Com o Bayern?
Não. A piada é essa. O melhor golo de calcanhar não foi esse, embora seja o mais falado em todo o mundo, porque foi numa final e com o poderoso Bayern. Hoje, se falarem de um golo à Madjer, todos sabem como é. Da mesma forma que ninguém esquece o slalom do Maradona com a Inglaterra em 1986 ou o penálti à Panenka em 1976. Mas a seguir à Taça dos Campeões, ganhámos 7-1 ao Belenenses [26 de Agosto de 1986, primeira jornada do campeonato nacional, na estreia de Rui Barros pelo FC Porto e de Marinho Peres como treinador dos azuis do Restelo], marquei três golos, o último deles de calcanhar, mais bonito que o de Viena. Sabes porquê?
Não.
Do cruzamento do Jaime Magalhães, recebi a bola com o pé esquerdo e dei com o calcanhar direito.
Mas então esse golo vi-o há poucos dias, na internet.
A sério? Não pode ser. Onde?
No YouTube.
Espera aí, vou buscar papel e caneta para anotar o endereço [espera] Diz-me lá.
É só ir ao site do YouTube e escrever “fc porto belenenses 7-1”.
Mas isso é fantástico. Já ganhei o dia. Obrigado. Vou já rever esse golo. Tenho–o na memória. Agora vou copiá-lo para o computador. E posso mostrar aos meus amigos. Eles não acreditam em mim. Dá para acreditar nisso?
Dos melhores artistas que vi com a camisola azul e branca…. eram magicos aqueles pés… ainda me lembro do jogo que refere que ganhamos 2-1 ao sporting, que foi a estreia do madjer nas antas… entrou na 2ª parte. Na altura os bancos de suplentes (saparias Tresinha) eram do lado da arquibancada!
Que delícia!
O Madjer está enganado. Ele recebe a bola com o mesmo pé que faz o remate : direito.
Nao deixa de ser um bonito golo.