Guerra ao Guerra


Mais uma vez Rui Moreira apresenta-se como um dos melhores oradores portistas que há memória. Na crónica desta semana publicada como de costume n’A Bola, desfere um ataque cerrado e bem merecido ao pseudo-paladino da verdade e defensor dos bons costumes (dele) que dá pelo nome de Fernando Guerra, um daqueles que diz “à lá Fox News” que o mundo era muito melhor antes de aparecer Pinto da Costa e que quando era novo e o vermelho imperava é que as coisas eram lindas, os pássaros chilreavam alegremente, as flores cheiravam a harmonia e a Terra estava em paz. Enfim, poetas de karaoke como diria Sam the Kid.

Eis o excerto de que estou a falar:

NO domingo, apresentei o livro O caso Calabote do jornalista João Queiroz. O autor fez um trabalho sério de investigação, pesquisou documentos da época e entrevistou os sobreviventes. Ao contrário de outros livros sobre casos do nosso futebol, Queiroz não construiu uma tese conspirativa nem romanceou os factos; não tomou partido nem especulou sobre o sucedido. Fica claro que Calabote não foi irradiado por atrasar o início ou adiar o fim do jogo crucial que o Benfica disputou com a CUF, ou por influenciar o decurso do marcador. O árbitro, já em final de uma carreira marcada por várias polémicas em que o Benfica era sempre beneficiado, foi irradiado por ter sido contumaz no falseamento do seu relatório, recusando-se a admitir que iniciara o jogo depois da hora.
Nada há de fantasioso na lenda Calabote. Havia, isso sim, um mito, grato aos benfiquistas, que agora fica desfeito: de que o pobre árbitro fora vítima da sua proverbial teimosia e de que nada de extraordinário acontecera nessa última jornada em que o FC Porto esteve quase a perder o título por goal average. Ora, o árbitro foi cúmplice activo no adiamento do início do jogo, em que marcou três penalties contra a CUF; o guarda-redes titular deste clube teve de ser substituído ao intervalo por indecente e má figura e confessaria que «faz pena, depois de tamanho esforço verificar que o Benfica não conseguiu chegar a campeão!»; Valdivieso, o adjunto do Benfica, esteve no banco do Torriense e ajudou a orientar a equipa contra o FC Porto cujo treinador já fora convenientemente contratado pelo Benfica para a época seguinte. Calabote nunca foi acusado de corrupção e viria a confessar, a propósito desse caso: «Sabe, eu nunca precisei que me dessem dinheiro, porque sempre fui do Benfica!»

Fernando Guerra não leu o livro, mas ouviu dizer que aproveitei para fazer ligação ao túnel do Braga e aos erros que beneficiam o Benfica. Foi pena que não tivesse aparecido porque ter-me-ia ouvido contextualizar os dois episódios. É que, em meio século, o futebol mudou muito com as transmissões radiofónicas em cadeia, os jornais desportivos diários, as televisões que escrutinam todos os detalhes do jogo. A batota esconde-se agora nos bastidores, longe do escrutínio de todos, seja na escuridão dos túneis ou nas manobras de secretaria. O que não mudou é o branqueamento dessas situações, por causa do estrabismo que atinge alguns jornalistas quando o beneficiário directo ou indirecto é o Benfica. De facto, meu caro Fernando Guerra, sou colunista e não escondo o meu fervor clubista. Nisso serei mais parecido com o Inocêncio Calabote, que confessava essa sua fragilidade com candura, do que com os justiceiros que se refugiam na interpretação diversa da lei para dissimular a sua parcialidade ou, já agora, com alguns jornalistas que fingem ser descomprometidos mas sucumbem ao proselitismo.

Sem comentários. Continua, Rui, é de cronistas com tu que precisamos!

1 comentário

  1. Será que "O Guerra" não viu o jogo com o Setúbal??? Só faltou mesmo o Zoro, agarrar na bola a 2 mãos e levá-la até à baliza do "seu" clube…E nem assim, o Benfica deixou de "encostar" 2 pontinhos, pelo que a ironia do destino tem destas coisas…repete-se frequentemente castigando o prevaricador!

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